Leia aqui, na íntegra, a entrevista com Paulo Ribeiro, mestre em arquitetura, cicloativista, atualmente no Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano do Pará (NGTM)

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LAB: Seja bem-vindo, Paulo, e obrigado por aceitar o nosso convite para participar desse episódio. Eu vou repetir a pergunta que fiz ao Marcel no primeiro bloco, mas agora contigo eu queria entender como é que foi esse processo histórico em que Belém se tornou uma cidade insustentável do ponto de vista da mobilidade.

PAULO: Eu vejo que essa trajetória de Belém, na verdade, foi um pouco parecida com quase todas as cidades mais tradicionais brasileiras, aquelas cidades que já chegaram a ter esses temas ferroviários bem avançados. No nosso caso, o bonde – primeiro com tração animal e depois, na virada no século XIX para o século XX, com tração elétrica – que, infelizmente, foi perdendo a competitividade à medida em que começaram a entrar os, como eram chamados anteriormente, autocarros.

Eu digo sempre que o carro, em um primeiro momento, apareceu como um grande equipamento que iria solucionar os problemas das cidades pós-industriais. Então Belém, assim como acho que praticamente todas as cidades brasileiras, não deixou de sofrer essa influência e a gente até hoje padece das consequências.

Só que no caso de Belém, temos algumas características próprias que agravam mais ainda essa situação: primeiro é essa configuração da cidade em que o centro tradicional, que ainda é o maior polo de atração dessas viagens, se localiza praticamente em um vértice e aí você tem uma dificuldade maior de acesso também pelo fato de ser uma cidade antiga, com algumas vias muito estreitas.

Essa disputa pelo espaço da via se torna uma disputa mais acirrada e, infelizmente, a gente ainda está perdendo muito para o automóvel. Quando eu digo “a gente”, é a gente como cidadão, são os governos, mas houve uma concordância, uma afinidade de pensamentos com relação a essa questão da priorização do transporte público, da utilização dos principais corredores com uma dedicação de espaço exclusivo para os ônibus; já se falava nessa tecnologia do ônibus circulando em vias segregadas, isso começou aqui no início dos anos 90.

No entanto, esses planos não tiveram o seu sequenciamento natural que seria justamente os estudos de viabilidade econômica e os empréstimos necessários para se fazer a infraestrutura porque desde o primeiro plano diretor, a ideia já era a criação daquilo que a gente chama da rede integrada de transportes, com a priorização do sistema de transporte coletivo operado por ônibus.

Nessa época ninguém falava em BRT, por exemplo. Era um ônibus circulando em canaleta mas era um ônibus convencional, ou seja, era dedicar parte do espaço viário para o transporte coletivo, para aumentar a sua eficiência e melhorar as condições para o usuário do sistema de transporte – que era a maioria das pessoas que necessitavam de deslocamento.

No entanto, como eu falei, esses projetos, por uma série de motivos que não eram exatamente técnicos ou não eram questões afetas à áreas técnica, não tiveram sequência.

LAB: Tem uma pergunta que eu queria até dividir em dois o objeto da resposta que seria: Quais são os principais entraves hoje para a gente fazer o BRT funcionar como um sistema? Sem o sistema, é só uma via exclusiva para ônibus. A capacidade de realmente transformar a forma como funciona a mobilidade na cidade vem apenas quando a gente implanta o sistema. Quais são esses desafios hoje, Paulo?

E depois eu queria que tu respondesses também: quais são os desafios que a gente tem para construir uma mobilidade urbana ativa, mais eficiente? O que a gente tem hoje da situação das calçadas, dos pedestres e dos ciclistas principalmente? Tu és uma pessoa que, além de um grande especialista e referência na área do BRT, é também uma grande referência na área da mobilidade por bicicleta.

PAULO: A gente tem hoje dois projetos de BRT em curso, né? O BRT do município de Belém saiu na frente, já está com a sua infraestrutura praticamente toda concluída. Digo sempre que nesse tipo de projeto, a infraestrutura é fundamental mas é algo que se você conseguir recursos, é uma obra sem grandes complexidades. No entanto, para que você faça com que o sistema opere, no nosso caso, temos que mudar a concepção operacional.

Temos um sistema hoje que foi concedido a muito tempo atrás, esses contratos já venceram e eu acho que esse é o maior desafio na verdade porque um sistema como esse tem um projeto de infraestrutura e tem um projeto operacional que é o que vai dizer como vai ser a operação do sistema, ou seja, o dimensionamento da frota, os itinerários, o custo da tarifa e assim por diante.

Então, é preciso fazer isso mas pautado em um outro marco regulatório legal. Eu acho que é isso que a prefeitura precisa tratar para fazer uma nova licitação e colocar, de fato, o sistema integrado para operar.

Com relação à mobilidade ativa, eu queria dizer o seguinte: acho que isso é algo que, evidentemente, é prioritário. Temos inúmeros problemas para enfrentar, uma melhoria da condição de circulação no caso do pedestre, isso não só no município de Belém; a situação das calçadas é muito crítica também em toda a região metropolitana, à medida em que você avança para as áreas mais periféricas essa situação se torna mais crítica ainda.

Existe uma prática, e todos vocês sabem, que se asfalta rua aqui em Belém sem fazer calçada. Isso é porque na hora em que você precisa fazer calçada, precisa resolver o problema de drenagem. Asfaltar rua é muito fácil, ganha-se muito voto com isso e aí a coisa vai ficando completamente anacrônica, completamente fora de um padrão de regulamentação porque essas ruas, na medida em que ganham asfalto, começam a ganhar a circulação do tráfego.

As pessoas começam a circular por meio da rua e aí logo vai ter a necessidade de se fazer lombadas para não ter o problema de atropelamento. A questão da calçada vindo depois da rua, ela é feita por cada um dos moradores e aí fica aquela calçada sem regularidade, sem um padrão único, sem nivelamento e vem todos os problemas decorrentes disso.

Então, mesmo na nossa área central mais consolidada ainda temos muitos problemas de calçadas, mas Belém é reconhecidamente uma das capitais brasileiras que tem a situação das calçadas mais precária possível

Com relação à circulação cicloviária, quando falamos de mobilidade aqui em Belém não podemos de maneira nenhuma deixar de dar a importância que esse modal necessita. Belém é uma cidade plana, é uma cidade pobre que já tem naturalmente uma cultura muito forte do uso de bicicletas. Eu tenho alguns estudos com contagem de tráfego em alguns corredores que realmente seria inadmissível imaginar que com aquele volume de tráfego cicloviário ali não tem um espaço dedicado exclusivo para bicicletas, principalmente quando a gente constata que a falta desse espaço se dá muito em função de que ele está sendo usado para estacionamento.

Então, se você levar em conta que a via é a infraestrutura mais cara dentro de uma cidade e é, por natureza, um canal de circulação, você dedicar espaço de uma via para estacionamento, em detrimento de um espaço para uma circulação mais segura de milhares de pessoas que podem usar a bicicleta como um meio de deslocamento é realmente algo inadmissível. A gente cansa de ver mãe levando filho para o colégio, pai levando filho para o colégio, gente usando bicicleta como veículo de trabalho, cargueiras e assim por diante, tudo disputando espaço com um trânsito caótico, numa via bidimensional.

Transcrição da entrevista dada ao PodCast Papo da Cidade para o Projeto Belém 40º, realizado pelo Laboratório da Cidade em conjunto com o Instituto Clima e Sociedade (iCS).

Por: Ana Luísa Souza. Licenciatura em Letras. Voluntária no Projeto Belém 40º.

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