Crise Climática e Habitação

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(por que chegamos aqui e aonde queremos ir)

Medellín. Foto: Lucas Nassar.

Resumo:

 Oi pessoal! Meu nome é Isabela Rocha e sou curadora de conteúdo e colunista no editorial do Lab. Trago pra vocês um artigo que fala de crise climática e habitação, e de como esses dois temas estão relacionados. Esta é a publicação de abertura do nosso projeto em conjunto com o Instituto Clima e Sociedade (ICS). Nela, falo sobre déficit habitacional e como as pessoas em condições inseguras de moradia são mais afetadas pelos desastres relacionados ao clima. Vocês também vão encontrar uma pequena revisão sobre a política de habitação no Brasil, para entender melhor os caminhos que nos trouxeram até aqui. Nos próximos meses, vamos falar bastante sobre formas mais sustentáveis de habitar, trazendo o assunto para o contexto de Belém e discutindo onde podemos e queremos ir. Contamos com vocês para enriquecer esses debates. Boa leitura!

  1. A crise climática e a habitação no mundo:

Para entender de que forma a crise climática se relaciona com o tema da habitação, é necessário voltar o olhar para o contexto global do déficit habitacional. Aproximadamente, 1,8 bilhões de pessoas no mundo vivem em condições de moradia inadequadas. O sucesso mundial no combate à crise climática se relaciona diretamente com a garantia dos direitos dessa população à habitação segura, adequada, de preço acessível, e assistida por serviços básicos de infraestrutura, como descrito no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 da Agenda 2030 da ONU. O principal motivo disto é que são exatamente estas pessoas que estão mais vulneráveis aos efeitos das catástrofes climáticas. Na última década, mais de 20 milhões de pessoas perderam seus lares por ano, por consequência de furacões, tsunamis, deslizamentos, terremotos, aumento do nível do mar, enchentes e doenças. 

Hoje em dia, mais da metade do mundo vive em cidades e, aproximadamente, 24% deste número vivem em assentamentos informais, em situação de insegurança e, muitas vezes, em condições de insalubridade. Estima-se que, até 2050, haverá um crescimento de 1 a 2 bilhões de pessoas nessas ocupações. 

Os principais fatores de vulnerabilidade desses assentamentos são as estruturas frágeis, construções com materiais inadequados, ausência de infraestrutura de serviços básicos, locações inadequadas (frequentemente em áreas de preservação ambiental, e/ou sujeitas a alagamentos e deslizamentos), superlotação e ausência total de proteção social. Os moradores dessas áreas não são reconhecidos como pessoas de direito por parte da sociedade que participa das tomadas de decisão e nem pelo Estado, por isso não são ouvidos nos processos políticos e quando suas casas são destruídas por desastres ambientais ficam sem acesso à terra segura para reconstruir suas vidas e lares. 

Do outro lado da moeda, assistimos a um aumento desenfreado da impermeabilização do solo urbano pela construção civil que também é responsável por 38% das emissões globais de carbono relacionadas à energia, de acordo com relatório do Programa das Nações Unidas para o meio ambiente (2020).

 A ocupação informal em áreas de preservação, margens de rio e encostas também causa impactos ambientais como a poluição e assoreamento dos rios, mas é uma consequência da não garantia do direito à moradia digna para bilhões de pessoas, acentuada pelo crescimento das políticas neoliberais que ampliam as desigualdades e a marginalização dessas populações. 

Em diferentes escalas, a crise climática impacta com maior intensidade aqueles que estão na base da pirâmide. Na escala global, os países em desenvolvimento degradam menos o meio ambiente, mas sofrem mais com os efeitos da crise. Na escala humana, as pessoas com maior poder de consumo e que habitam as áreas das cidades com maior acesso à infraestrutura também são as que impactam mais o meio ambiente, mas quem mais sofre os efeitos das catástrofes ambientais são pessoas pobres e moradores de periferia.

2. Breve revisão da habitação no Brasil:

A crise climática é global e a crise da habitação é um problema em todos os países com condições de desigualdade acentuadas, no Brasil, a situação não é diferente. Vivemos num país marcado por reformas urbanas higienistas, com políticas de remoção de comunidades inteiras, que pavimentaram o caminho da segregação socioespacial e ambiental das cidades em que vivemos hoje.

 Desde o final do século XIX, as políticas de remoção e “embelezamento” que aconteceram em diversas cidades, negaram as partes desses territórios que receberam investimentos e melhorias de infraestrutura, à população negra e pobre do país. Nesta época, foram demolidas inúmeras moradias, e famílias foram forçadas à coabitação, a pagarem aluguéis altos e se mudarem para áreas mais distantes. No Rio de Janeiro, este foi o período conhecido como “Bota Abaixo” que deu início à formação das favelas. Outras grandes cidades do país seguiram o mesmo exemplo, Belém foi uma delas. Os primeiros investimentos em moradias populares feitos pelo poder público no Brasil foram neste mesmo período, porém, aconteceram de forma pouco significativa e já não atendiam à demanda na época. 

 O período entre os anos de 1964 e 1986 foi um marco histórico para a política habitacional do Brasil. Foram os anos de atividade do Banco Nacional de Habitação (BNH) quando realizaram-se uma série de estudos e investimentos para ampliar o acesso à habitação. O BNH foi o principal produtor de habitações sociais da história do Brasil e atendia três segmentos divididos por rendas mensais, no entanto, a menor parte dos investimentos foi destinada à provisão de habitação para pessoas de baixa renda. Para além disso, as políticas do BNH apresentavam outros problemas como a realocação das moradias populares para regiões periféricas e padrões arquitetônicos inadequados.

Em 1986, com a extinção do BNH, suas funções passaram para a Caixa Econômica Federal (CEF) e, deste período até o ano de 2003, o Brasil ficou sem uma política habitacional bem definida. A situação mudou a partir da aprovação do Estatuto das Cidades (2001), uma grande vitória para a luta por direito à cidade e moradia digna, que culminou na criação do Ministério das Cidades (2003) e na elaboração de uma nova Política Nacional de Habitação (PNH) (2004), bem como do Plano Nacional de Habitação (2008). 

Entre esses anos, também foi lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (2007) que previa investimentos de R $11,6 bilhões para urbanização de favelas e 44,3 bilhões em novas moradias. Em 2009, foi lançado o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que dispunha, inicialmente, de R$34 bilhões para construir 1 milhão de novas moradias em diferentes faixas de financiamento.

Foram investidos R$ 68,5 bilhões em habitação entre 2003 e 2009 em diversas frentes: aquisições, reformas, produção de lotes urbanizados e urbanização de assentamentos precários. No entanto, a forma como esses investimentos foram realizados também foi bastante criticada, os pontos principais foram: atendimento insuficiente para os mais pobres, afastamento dessas pessoas para regiões periféricas, construções e soluções urbanísticas padronizadas sem levar em consideração as características de cada região, falta de infraestrutura no entorno, entre outros pontos. 

De 2016 para cá, o déficit habitacional  no Brasil cresceu, chegando a 7 milhões de famílias em condições inadequadas de moradia, enquanto o país tem, em média, 5 milhões de imóveis vazios. 

3. Aonde queremos ir?

A política habitacional desenvolvida no Brasil precisa garantir o direito constitucional à moradia digna para a nossa população, mas faz uso de soluções massivas, repetitivas e, muitas vezes, ineficientes. Muitas dessas soluções acentuam as desigualdades nas nossas cidades e acabam gentrificando o espaço urbano, além de causarem impactos ambientais negativos ao ampliarem a malha urbana e a demanda por infraestrutura.

Para mudar este cenário, nossos governantes deverão pensar em novas abordagens para a questão, baseadas em direitos humanos e participação social nas tomadas de decisão. É necessário pensar na utilização de materiais de construção diferentes, que considerem as características climáticas e disponibilidade de matéria prima de cada local. Deve-se priorizar o uso de edifícios já existentes subocupados e de áreas subutilizadas no perímetro urbano e, também, a reforma e a reconstrução das moradias nos próprios locais em que já estão instaladas, através da combinação de projetos de regularização da posse (REURB) com a assistência técnica para habitações de interesse social (ATHIS), em vez de demolir ou construir novas habitações em locais distantes e sem infraestrutura, com processos que expulsam as pessoas do centro e dificultam seu acesso aos serviços básicos da cidade formal.

Observa-se que as respostas e soluções para os problemas dessas ocupações, muitas vezes, vêm dos próprios moradores das comunidades e, por isso, é fundamental que esses processos sejam participativos, para que se desenvolvam políticas públicas mais eficientes que protejam essas pessoas em vez de deixá-las mais vulneráveis.  

Nos próximos artigos, vamos aprofundar o tema e falar do contexto aqui de Belém, para pensarmos juntos em caminhos possíveis para alcançar formas de habitar mais sustentáveis, seguras e com infraestrutura adequada para toda a nossa população.

Referências:

  • A Evolução Urbana do Rio de Janeiro, Maurício de A. Abreu, 1997. 
  • A questão habitacional na Região Metropolitana de Belém. Coleção Habitare. Andréa Pinheiro, José Júlio Ferreira Lima, Maria Elvira Rocha de Sá e Maria Vitória Paracampo, 2001; 
  • Produção do espaço urbano pela política habitacional recente (2003-2014): a criação de novos conjuntos habitacionais na Região Metropolitana de Belém. Ateliê Geográfico. Marlon Silva e Janete Oliveira, 2016. 
  • https://www.campanhadespejozero.org/

Por Isabela Avertano Rocha. Urbanista e Arquiteta. Especialista em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Mestra em Desempenho Ambiental e Tecnologia. Integrante do Coletivo Cidade para Mulheres. Gerente de Projetos no Laboratório da Cidade. Colunista e curadora de conteúdo do Blog do Lab.

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