Práticas sustentáveis para salvaguardar nossos patrimônios

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Porto Digital – Recife/Pe. Fonte: Getty Images.

Resumo

Oi pessoal,

Em nossos estudos relacionados à crise climática e preservação dos nossos patrimônios, percebemos que o debate que associa esses dois eixos ainda é bastante recente. No entanto, sabemos que as mudanças climáticas já são uma realidade sentida nos espaços urbanos e que salvaguardar nossos patrimônios naturais, edificados e imateriais é necessário para preservar nossa cultura e história para as presentes e futuras gerações. Por isso, listamos para vocês, exemplos do que consideramos práticas boas e sustentáveis que convergem para este sentido e esperamos que este debate seja cada vez mais aprofundado e que essas práticas se multipliquem em nossas cidades.

Boa leitura,

Julia Ladeira e Isabela Rocha

Introdução

O patrimônio cultural pode ser material ou imaterial. Dentro do material, estão as cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais, ou móveis. Quando falamos de imaterial, estamos nos referindo às práticas e domínios da vida social, saberes, ofícios, modos de fazer, celebrações e outras formas de expressão socioculturais. O patrimônio natural, por sua vez, é o conjunto de monumentos naturais compostos por formações físicas e biológicas, geológicas e fisiográficas, além dos sítios naturais, a exemplo da Amazônia central, que é um patrimônio natural da humanidade. 

Nosso 3º ciclo buscou debater esses diferentes enfoques, ora dando maior ênfase ao edificado, ora ao natural, mas sempre percebendo que é impossível tratar de forma dissociada todas as nuances que dão real significado à palavra patrimônio. O patrimônio de uma cidade é tudo aquilo que carrega suas vivências, saberes, histórias, relações econômicas e culturais e precisa ser compreendido em toda a sua complexidade para poder ser preservado.

Dentro do contexto já experienciado das mudanças climáticas e aquecimento do nosso planeta, podemos afirmar que toda forma de vida sobre a terra será afetada. Como já tratamos, além das causas naturais, a ação antrópica acelera este processo. O modo de vida pós-industrial, a queima desenfreada de combustíveis fósseis, o desmatamento na Amazônia e poluição dos nossos recursos hídricos afetam vidas nos aspectos físicos (sentimos mais calor, fenômenos extremos: enchentes, alagamentos…), mas também nos aspectos culturais: formas de vida, relações econômicas e sociais, hábitos gastronômicos e identidades de comunidades inteiras estão ameaçados pelo aumento aparentemente pouco significativo de 1,5ºC na temperatura nos próximos 20 anos.

Os debates e instrumentos legais para salvaguardar nossos patrimônios são antigos e consolidados, no entanto, o que ainda é recente é a sua associação ao contexto das mudanças climáticas. O ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) é uma instituição que vem promovendo este debate no Brasil através de ações multidisciplinares a fim de formar uma comunidade mais consciente e engajada. As preocupações são claras e urgentes: não queremos que nossas histórias, culturas e saberes vão literalmente por água abaixo e precisamos começar a agir já!

Ações para salvaguardar nossos patrimônios, no contexto das mudanças climáticas, precisam seguir alguns princípios para serem realmente efetivas e estes passam por: educação patrimonial para termos comunidades mais conscientes, sustentabilidade econômica, inclusão social, diversidade cultural e de uso, atividades econômicas não predatórias, reconhecimento de saberes ancestrais e respeito à natureza. Precisamos reconhecer o que não está dando certo e mudar imediatamente esta rota. Apontamos aqui, alguns exemplos do que consideramos bons exemplos de caminhos possíveis para preservar e garantir a sustentabilidade de nossos patrimônios. 

Boas Práticas

1.    Exemplos de boas práticas legislativas e ações públicas

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

Presente em todos os estados do Brasil através de superintendências e escritórios técnicos, O IPHAN responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro e pela conservação, salvaguarda e monitoramento dos bens culturais nacionais que estão inscritos na “Lista do Patrimônio Mundial” e na Lista “O Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade”, estabelecidas nas convenções da UNESCO. Segundo o planejamento estratégico, de 2021-2024, do instituto, a sua missão é “Promover a preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro de forma sustentável, contribuindo para a cidadania plena e para o reconhecimento, valorização e difusão da diversidade cultural”.

Graças ao trabalho do IPHAN, nós já possuímos bens materiais e imateriais tombados, ou seja, registrados, como é o caso da celebração do Círio de Nazaré em Belém, trazendo à luz a importância dessa manifestação cultural para a região e a mobilização social que ela promove. Além disso, Programas como o do PAC de Cidades Históricas, de Preservação de Acervos, Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), entre outros, efetivam as ações de preservação e salvaguarda.

Sabendo da complexidade destes assuntos, o instituto também atua na formação e capacitação de profissionais para este trabalho e possui canais abertos de comunicação com a sociedade civil, para que seus serviços sejam facilmente acessados e as suas ações assertivas quanto às demandas da comunidade.

Sistema de Informações do Patrimônio Cultural da Bahia (SIPAC)

Uma boa prática que faz uso de tecnologia para conectar políticas públicas e sociedade é a do SIPAC, elemento que faz parte do Sistema Estadual de Patrimônio Cultural da Bahia, voltado para o atendimento de demandas do setor de patrimônio cultural. É uma ferramenta de gestão, difusão e compartilhamento de informações e dados que irão auxiliar não só a realização de políticas patrimoniais do Estado, como a ampliação do conhecimento e participação da sociedade nos processos.

A ponte gerada pelo sistema, através do uso de internet e tecnologias, visa aproximar a comunidade da educação patrimonial, sensibilizando e mobilizando a população sobre o tema. O site explica didaticamente como navegá-lo, como buscar informações e permite que os visitantes façam o download dos cadernos, dossiês e folhetos produzidos sobre temas relacionados ao patrimônio cultural da Bahia.

Coleção “Cadernos do IPAC”. Fonte: SIPAC.

2. Exemplo do Porto Digital em Recife/PE

A experiência do Porto Digital mostra a viabilidade da união entre desenvolvimento tecnológico e preservação do patrimônio cultural material. De modo geral, o projeto consiste em um parque tecnológico que abriga empresas, incubadoras e instituições voltadas para os setores de Tecnologia da Informação e Comunicação, Economia Criativa e Tecnologias Para Cidades, atraindo investimentos e inovação para a cidade.

 Recife é uma cidade rica em conjuntos materiais e imateriais que são símbolos culturais e marcos históricos da cidade. O território onde está localizado o Porto Digital é o atual “Bairro do Recife”, área central da região metropolitana onde há um polígono de tombamento do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Antigo Bairro do Recife.

O patrimônio do bairro engloba uma pluralidade de estilos, do colonial ao moderno. Ao invés de descaracterizar a região (como muitas vezes acontece), o parque a incorporou, complementando as ações de revitalização feitas tanto com investimentos do poder público quanto privado. O PD recuperou vários edifícios de destaque, adequando a sua infraestrutura para receber empresas modernas de qualquer lugar do mundo, sem destruir a identidade da arquitetura local.

Para além da revitalização material, garantir o uso adequado dos edifícios, de forma que cumpram a sua função e ali se estabeleçam dinâmicas sociais, é o que mais assegura a sua longevidade e sustentabilidade.

Área do Porto Digital em Recife. Fonte: Porto Digital

3. Exemplo do Centro Cultural Vila Itororó em São Paulo/SP

Localizada no bairro Bela Vista, na região central de São Paulo, a Vila Itororó foi desapropriada para fins culturais a partir de 2013 e é hoje um espaço público e cultural da Secretaria Municipal de São Paulo, idealizada a partir do projeto de restauro da vila construída nos anos 1920, pelo imigrante português Francisco de Castro, constituída por 11 edifícios que serviam de moradia de aluguel na época, além de uma piscina privada, cuja fonte de água vinha do Rio Itororó, que deu origem ao nome da vila. Com o processo do restauro, que se estende até hoje, foi identificada e resgatada uma fonte desse rio, que estava soterrado sob a avenida 23 de Maio. Esta, segundo os responsáveis pelo projeto, irá circular por toda a vila através de canaletas. A vila é tombada pelos órgãos estadual (Condephaat) e municipal (Conpresp) do patrimônio histórico.

A Vila se tornou um complexo de cultura, educação (tanto patrimonial, quanto geral) e serviços para população, englobando, entre outros, um ateliê com oficinas dos mais diversos tipos, como culinária e permacultura, uma cozinha e marcenarias públicas, além de um Centro de Referência de Promoção da Igualdade Racial (CRPIR), cujo objetivo é prestar atendimento e orientação multiprofissional em casos de discriminação racial. O exemplo da Vila nos mostra o grande potencial que há em preservar os nossos patrimônios em prol da comunidade.

Vila Itororó. Fonte: Projeto de Restauro – Centro Cultural Vila Itororó (prefeitura.sp.gov.br)

4. Exemplo de movimentos sociais: “Projeto Circular” e “Ame o Tucunduba” em Belém/PA

A sociedade civil também é agente crucial de preservação e salvaguarda dos mais diversos tipos de patrimônio e é quem está mais próximo do problema. Os movimentos sociais existem para que nossos bens não se percam.

O Projeto Circular Campina Cidade Velha foi criado em 2013, a partir de um grupo de agentes culturais independentes que atuam na área de arte e cultura dentro do Centro Histórico de Belém. Hoje somam mais de 40 espaços, projetos e ações socioculturais. Através de caminhadas guiadas pelo centro histórico, visibilidade de empreendedores locais, exposições de artistas e inúmeras trocas, o circular permite que os moradores dessa região se sintam estimulados a conviver e que a população em geral aprenda sobre e se identifique com a cidade velha e arredores próximos, consuma do seu comércio e ajude na preservação e requalificação dos conjuntos arquitetônicos e urbanísticos que são parte da história de Belém e estão ameaçados tanto pelo descaso quanto pela crise climática.

Já a Ame o Tucunduba é uma organização de 2016 formada por mulheres com objetivo de trazer mudança nas relações entre águas, pessoas e cidades, por meio da educação ambiental crítica. O público-alvo é principalmente a juventude como protagonista da cidade que queremos. O projeto de destaque do programa é o premiado “Expedição Tucunduba”, uma vivência que vai da nascente à foz do Rio Tucunduba, onde os jovens aprendem sobre saneamento básico e rios urbanos de uma forma lúdica e participativa. Hoje, também, há uma versão em realidade virtual, para abranger mais pessoas. Também são realizadas mobilizações, campanhas e atividades que conectam a comunidade ao patrimônio natural mais presente na realidade paraense, que é a água.

Ame o Tucunduba. Fonte: Projetos – Ame o Tucunduba

Conclusão

Vimos que boas práticas já existem e que usos diversos e inclusivos fazem com que as culturas sejam preservadas. O uso democrático do espaço repara injustiças históricas e fomenta nossas dinâmicas sociais e econômicas. Agora, devemos incorporar cada vez mais ao pensamento coletivo o alerta sobre a crise climática, para pensarmos juntos em medidas mitigatórias direcionadas à preservação não só do patrimônio edificado e natural, mas também das nossas memórias coletivas que estão atreladas a eles e podem se perder. A educação e conscientização da sociedade são fundamentais nesse processo.

A preservação do patrimônio cultural e natural também é um importante instrumento para a atualização e transformação do planejamento urbano, tornando-o cada vez mais alinhado às questões climáticas, pois são pautas indissociáveis. 

Referências

http://institutodea.com/artigo/cultura-e-clima-parte-i-como-as-mudancas-climaticas-afetam-cultura/

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/02/07/Como-a-crise-clim%C3%A1tica-amea%C3%A7a-patrim%C3%B4nios-da-humanidade

https://www.icomos.org.br/

Mesa-redonda sobre Patrimônio Cultural e Mudanças Climáticas: https://youtu.be/9yY7npeZUGY

https://laboratoriodacidade.org/2022/02/10/patrimonio-cultural-e-crise-climatica-o-que-temos-a-ver-com-isso-2/
https://laboratoriodacidade.org/2022/02/24/rios-urbanos-como-patrimonio/

Sobre o IPHAN: Apresentação — Português (Brasil) (www.gov.br)

Programas do IPHAN: Programas — Português (Brasil) (www.gov.br)

Mapa Estratégico 2021-2014 IPHAN: mapa_estrategico_IPHAN (www.gov.br)

Sobre o SIPAC: SIPAC – Sistema de Informações do Patrimônio Cultural da Bahia

Sobre o Porto Digital: Porto Digital

Restauro da Vila Itororó: Projeto de Restauro – Centro Cultural Vila Itororó (prefeitura.sp.gov.br)

Projeto Circular: Projeto CircularAme o Tucunduba: Sobre – Ame o Tucunduba

Por Julia Ladeira. Arquiteta e Urbanista. Graduanda de Comunicação Social – Jornalismo pela UFPA. Voluntária no Laboratório da Cidade.

Por Isabela Avertano Rocha. Urbanista e Arquiteta. Especialista em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Mestra em Desempenho Ambiental e Tecnologia. Integrante do Coletivo Cidade para Mulheres. Diretora Executiva no Laboratório da Cidade. Colunista e curadora de conteúdo do Blog do Lab.

Este é um conteúdo do Projeto Belém 40º, produzido em conjunto com o Instituto Clima e Sociedade.

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