Sobre espaços coletivos, cooperação e cidades resilientes

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Circular de agosto de 2019. Foto: Lucas Escócio.

Você sabe o que é um espaço coletivo?

Pode ser considerado espaço coletivo todo e qualquer local de uso comum. São locais destinados ao público, locais de encontros, circulação e permanência. Alguns exemplos, da perspectiva da cidade, são as calçadas, praças, canteiros, parques, mercados, espaços culturais, áreas de lazer e, dentro de um contexto mais recente, os parklets e pocket parks. 

Neste texto, vamos abordar um tipo específico de espaço coletivo: aqueles instalados em terrenos privados ou por meio de colaboração público/privada e que podem contribuir de forma bastante qualitativa com o entorno em que se inserem.  

Mas por que tratar especificamente destes espaços?

Ora, vivendo em um contexto urbano desenvolvido a partir de uma lógica privatista, em que o direito à propriedade privada é colocado acima dos demais direitos constitucionais e em que os espaços de convívio entre as pessoas são considerados inseguros e marginalizados, faço aqui um convite a olharmos para os benefícios que as iniciativas cooperativas, na contramão deste pensamento, trazem para o espaço urbano e seus usuários.

Melhorias na urbanidade

(e o exemplo dos pocket parks)

Pracinha Oscar Freire, 2017. Fonte: https://www.zoom.arq.br/pracinha-oscar .

A aproximação do pedestre à rua e à cidade e a transmutação destes locais em espaços mais convidativos vêm sendo um desafio das chamadas “cidades do futuro”. A proposta é corrigir as “distorções” do crescimento urbano causadas pela lógica das cidades projetadas para carros, para que se alcance cidades sustentáveis, resilientes e acolhedoras e se desenvolva a sensação de pertencimento nos seus usuários.

Nesse contexto, os pocket parks (parques de bolso) vêm sendo utilizados como estratégias para estas conexões urbanas. O conceito é simples: “um miniparque que pode ser implantado em lotes urbanos subutilizados, terrenos baldios e sobras de terrenos”, modelo desenvolvido por Thomas Hoving há mais de 50 anos. Existem diversos exemplos de pocket parks de sucesso pelo mundo, os primeiros do Brasil foram instalados em São Paulo.

A “pracinha” da Rua Amauri, em São Paulo, foi projetada pelo arquiteto Isay Weinfeld, que sugeriu ao proprietário que doasse o terreno à cidade, transformando-o numa rua de uso misto, um espaço que os passantes poderiam adentrar e se apropriar como espaço de permanência. 

Já a pracinha Oscar Freire  (Zoom Urbanismo Arquitetura e Design) surgiu, também, da ideia privada de ocupar um terreno sem uso e hoje se constitui em um espaço com mobiliário que abriga shows, food trucks e até mesmo oficinas para os transeuntes. Ambas as iniciativas foram consideradas bem-sucedidas e tornaram-se referências para as pessoas que circulam nas áreas.

“Ao criar e ativar esses lugares, as pessoas usam, convivem e a dinâmica do lugar se torna mais viva – assim, consequentemente, se tornam espaços mais valorizados por todos. Aos poucos, o vazio urbano que era só para carros ficarem parados, virou ponto de encontro para pessoas e foi ganhando significado na rotina de quem circula por ali até virar uma referência.”*

Sensação de bem-estar, redução da insegurança, estímulo à economia local 

(as intervenções efêmeras e a animação urbana na prática)

Parklet da Braz, 2017. Fonte: Acervo do Laboratório da Cidade.

Um parklet é um espaço público que permite variados usos e que, normalmente, ocupa o espaço de duas vagas para carros. O parklet desenvolvido pelo Laboratório da Cidade, na Rua Braz de Aguiar, em setembro de 2017, foi o primeiro de Belém. Realizada em parceria com o Belém Photos, a iniciativa ocorreu após a publicação de um decreto municipal que autorizou a instalação destes espaços na cidade. O parklet, ou pracinha — nome sugerido pelos próprios usuários — , foi idealizado pelo arquiteto e urbanista Hugo Shibata e ficou instalado durante quatro dias em frente ao Belém Photos. Durante esse período, aconteceram aulas de meditação, pilates, shows de artistas locais e rodas de conversa, bem como uma pesquisa de opinião sobre o tema.

“O parklet criou um novo ângulo, onde foi possível enxergar a cidade de uma forma diferente, e em quatro dias reconfigurou um espaço público entregando às pessoas um ambiente que promoveu novas possibilidades de interação.”*

Em consultas de opinião dos usuários, foi pontuada a melhoria na sensação de segurança, bem como o potencial educativo da ação.

O Cinelab de Rua

Cinelab de Rua em Julho de 2019. Foto: Catarina Nefertari.

Durante os meses de julho e agosto de 2019, em acordo com a Procuradoria Geral do Município (PGM), o LdC realizou 3 edições do Cinelab de Rua no terreno que fica na Presidente Vargas esquina com a Aristides Lobo, no bairro da Campina, área que a PGM considera para fazer parte do projeto das suas futuras instalações. 

O cinema de rua do LdC vem se mostrando uma forte ferramenta para ativação de espaços; além disso, o terreno em questão vinha sendo utilizado irregularmente como estacionamento. Esses dois elementos formaram, então, a combinação perfeita. 

Terreno da Presidente Vargas antes da intervenção. Fonte: Google Street View.

Mesmo tendo as primeiras tentativas frustradas pelas chuvas, o Cinelab foi um sucesso de público e de receptividade. Durante as intervenções, conversamos com muitas pessoas, espectadores, passantes e ambulantes, e deixamos um “Mural dos Desejos” no local. Os depoimentos recebidos foram bastante positivos. Alguns pontuaram a sensação de segurança ao passar por ali durante os eventos. O pipoqueiro e o vendedor de bombons ficaram felizes com as vendas e, em nosso Mural dos Desejos, diversos relatos de felicidade por ver a ação, bem como pedidos para que iniciativas como esta continuassem sendo realizadas na área. A sequência de eventos terminou com a intervenção do Circular de agosto, quando fizemos a “praia do Lab” com pintura no chão, brincadeiras de rua, oficina de horta, aula de música na rua e o último cinema desta sequência. Agradecemos à Procuradoria e ao público e esperamos voltar em breve com esta ação!

Contribuição para o aumento de áreas verdes

(Como um escritório de São Paulo está se propondo a restaurar a Mata Atlântica?) 

Florestas de Bolso

Bosque da Batata em dia de intervenção. Fonte: http://www.cardimpaisagismo.com.br/ .

Desenvolvida pelo paisagista Ricardo Cardim, a floresta de bolso é uma técnica de restauração da Mata Atlântica aplicada à escala urbana. Podendo ser implantada em espaços pequenos, a partir de 15m², ou grandes áreas, tem como objetivos “reconectar a população ao patrimônio nativo, suas formas, texturas, história e sabores, resgatando a biodiversidade original no cotidiano”. A maioria dos projetos de florestas de bolso já executados foram realizados com voluntários, cidadãos engajados no resgate da biodiversidade urbana e colaboradores de empresas conscientes, principalmente em áreas públicas como praças, parques e canteiros. No Largo do Batata, após sua remodelação, restaram algumas áreas, entre as novas vias, que a princípio só receberam grama e acabaram se tornando ambientes áridos, inóspitos e, até mesmo, depósitos de lixo.

A iniciativa de transformar a área em floresta de bolso recebeu o apoio da subprefeitura de Pinheiros, bem como de

cerca de 350 voluntários que plantaram coletivamente 400 mudas de 90 espécies diferentes da Mata Atlântica original da região, com ênfase no pinheiro brasileiro, a araucária, que batizou o bairro por sua abundância ancestral. O cenário de terra nua em pouco mais de uma manhã de trabalho se transformou completamente. Antes do plantio um mutirão foi formado para a remoção dos entulhos aflorados e rapidamente se encheu uma caçamba de entulhos, depois crianças e adultos plantaram a floresta acompanhados por um caminhão pipa doado.

Passados mais de um mês do plantio, a população mudou sua percepção sobre o novo espaço que despertou a curiosidade e respeito naquela movimentada passagem. Nenhum lixo e entulho mais foram ali jogados.”*

Bosque da Batata antes e depois. Fonte: http://www.cardimpaisagismo.com.br/ .

Estes são só alguns dos exemplos que demonstram a maneira com que a cooperação entre os diversos atores do meio urbano pode nos deixar mais perto de alcançar nossas tão desejadas cidades resilientes

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*Os textos destacados são originais dos sites das instituições responsáveis pelos projetos.

Referências:

https://www.zoom.arq.br/pracinha-oscar

https://laboratoriodacidade.org/2017/10/02/sobre-a-pracinha-ldc/

www.cardimpaisagismo.com.br

https://www.archdaily.com.br/br/877993/pocket-parks-novo-e-compacto-modelo-aos-espacos-publicos

http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/2611/1/Norma%20Fonseca%20Vianna1.pdf

https://www.imed.edu.br/Uploads/5_SICS_paper_102.pdf

Por Isabela Avertano Rocha. Urbanista e Arquiteta. Especialista em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Mestra em Desempenho Ambiental e Tecnologia. Gerente de Projetos no Laboratório da Cidade.

Artigo revisado e editado por Toni Moraes. Laboratório da Cidade.

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