Oi, Gente!
O artigo a seguir marca o início do 4º ciclo temático do projeto Belém 40º. Neste ciclo, vamos realizar trocas e debates sobre Resiliência Urbana, e entender quais são as nossas perspectivas diante de um contexto de crise climática que agrava nossos problemas socioambientais, gerando insegurança na cidade. Neste artigo, traremos um entendimento sobre o cenário atual e quem está mais vulnerável diante dessa crise.
Boa Leitura!
Augusto Júnior e Julia Ladeira
Introdução
Antes de tudo, vamos entender o que é Resiliência Urbana? Para chegar nesse conceito, vamos começar pela Resiliência em si. Vários autores definem o que é resiliência, mas, de forma geral, é a capacidade que determinado elemento tem de responder de forma eficiente a um evento de risco. Eficiente como? Pegando a Resiliência Urbana como nosso objeto, dizemos que uma cidade é resiliente quando consegue se adaptar e transformar mais facilmente diante de impactos como, por exemplo, da intensificação das mudanças climáticas, onde mesmo os mais vulneráveis sobrevivem e prosperam. Veremos adiante, porém, que resiliência urbana é mais prática que conceito.
Desde o final de 2021, fomos assolados por desastres de grande porte em um curto espaço de tempo. Em Petrópolis, cidade na região serrana do Rio de Janeiro, de relevo acidentado, as fortes chuvas levaram a deslizamentos de terra e inundações, deixando aproximadamente 233 mortos. Em Minas Gerais há 12.467 moradores desalojados e 3.007 desabrigados, e, de acordo com a SUDEC (Superintendência de Proteção e Defesa Civil), depois das inundações na Bahia, 54.771 ficaram desalojados e 37.035 desabrigados. No Pará, acendeu-se o alerta, em março deste ano, sobre o nível das águas dos rios Amazonas e Tapajós, influenciados pelo degelo da cordilheira dos Andes, onde fica sua nascente. Cidades como Santarém e Óbidos já sentem os efeitos do avanço das águas. Com o maior volume de chuvas registrado em décadas, a crise climática expõe e potencializa a vulnerabilidade das nossas cidades e a pressão sobre sistemas precários ou inexistentes de infraestrutura urbana, que não resistem a eventos climáticos extremos, gerando insegurança à sociedade como um todo.
Mas, como chegamos até aqui?
A produção das cidades brasileiras, ou seja, a forma como se desenvolvem até hoje, traz um histórico preocupante de degradação do meio ambiente. A supressão dos ecossistemas naturais (vistos aqui enquanto áreas verdes, rios, etc.) diante do crescimento urbano desenfreado afeta diretamente na maneira que a cidade pode responder aos impactos de eventos climáticos.
Impermeabilização do solo a partir de construções, canalização de rios e escassez de áreas verdes são só alguns dos exemplos que, por si só, geram alertas, mas se agravam quando aliados à falta de infraestrutura urbana, de uma rede de saneamento básico e invisibilização das populações que estão sujeitas aos maiores riscos. Essa invisibilização põe em pauta quem está mais vulnerável na cidade e precisa ser mais discutida. Veremos, adiante, que o ambiente urbano é capaz de potencializar os riscos de desastres ambientais.
A vulnerabilidade na cidade
O conceito de vulnerabilidade é amplo e múltiplo. No campo da saúde, uma pessoa com diabetes pode ser considerada vulnerável e mais propensa a sofrer complicações cardiovasculares, por exemplo. Na cidade, a vulnerabilidade tem sido estudada para entender o que condiciona pessoas e grupos sociais a essa maior insegurança e incerteza no lugar que se encontram. Então, fatores ambientais, sociais e econômicos podem determinar quem está mais vulnerável no ambiente urbano.
Comunidades que moram em áreas sujeitas a inundações, desabamentos, poluição da água, poluição dos solos, contaminação derivada de resíduos e produtos tóxicos, etc, ou regiões mais propensas a ter enchentes, terremotos, maremotos, entre outros – estão mais expostas aos riscos dos desastres e doenças derivantes da poluição, contaminação, etc. Dados da ONG Teto, disponibilizados pelo jornal Nexo, no Brasil, dizem que cerca de 23,08% da população que vive em condições precárias de moradia está localizada próxima a rios, canais e córregos e 18% a barrancos, ou seja, áreas de risco. Em Belém, como já vimos aqui no blog, as áreas de baixada, que são as mais suscetíveis a inundações, alagamentos e proliferação de doenças, não possuem a mesma infraestrutura das áreas de cotas mais altas da cidade, pertencentes à população majoritariamente branca e de classe média/alta.
“A cidade formal não olha para as comunidades que constroem essa cidade (…)” (Sarah Marques do Caranguejo Tabaiares Resiste em Recife – PE, para o episódio 3 do Papo da Cidade, podcast do lab.)
Essa exposição aos riscos impacta diretamente o bem estar e saúde da população que mora nessas áreas. Eventos hidrológicos como inundação, alagamento e movimentos de massa (deslizamentos), são capazes de comprometer serviços de coleta de lixo, tratamento de esgoto e também podem causar contaminação da água para consumo, além de alimentos e o solo. Apenas na região Norte, a quantidade de internações causadas por doenças veiculadas a poluição da água foi de 358,09 casos por 100 mil habitantes, em 2013, segundo um estudo publicado no CSP (Caderno de Saúde Pública) que utilizou dados do DATASUS. Além do evidente impacto na saúde, as perdas de bens pessoais, prejuízos econômicos causados pela destruição total ou parcial de moradias, propriedades, fontes de renda e trabalho, entre outras consequências, são realidades que também se fazem presentes.
Um fator que também torna a vulnerabilidade na cidade maior é a falta de um sistema de oportunidades – como emprego, educação, etc, uma vez que a população se vê carente de uma estrutura básica para enfrentar tudo isso – que tornaria a resiliência maior. Esse cenário, então, direciona comunidades vulnerabilizadas a uma exposição cada vez mais intensa.
Quem é mais afetado?
“No mesmo mar, sim, mas não no mesmo barco” é o título que inicia uma matéria da Nexo, de 2020, que reflete sobre a ligação entre mudanças climáticas e desigualdade social. Essa frase, ao ser trazida para o contexto aqui apresentado, pode nos dizer muito. Estamos, sim, diante de uma das maiores crises humanas, os desastres ambientais estão cada vez mais constantes, e as cidades serão atingidas como um todo, porém, não são todas as pessoas que sofrem o impacto maior.
As áreas citadas anteriormente, que possuem maior fragilidade ambiental, abrigam a população mais vulnerável, em sua maioria não branca e de baixa renda, que historicamente foi subordinada a esses locais. Essa população, assim, se vê condicionada aos maiores riscos. O excesso de chuva atinge desproporcionalmente as cidades porque estas são marcadas pela falta de um planejamento urbano eficaz (que possibilite uma cidade saudável para todas as pessoas) e invisibilização das camadas sociais desfavorecidas. Quando falamos em cidades localizadas na Amazônia, a população ribeirinha e quilombola também se encaixa nesse contexto de risco, uma vez que carecem de acesso a infraestruturas, serviços básicos e são direcionados à certa marginalização social – que podemos enxergar, aqui, como outro tipo de depredação.
Ofertar melhorias no saneamento básico, qualidade da água, serviços de coleta de lixo, boas condições de moradia, higiene, acesso a equipamentos públicos para a população é um bom caminho para, não só reduzir casos de doenças e mitigar danos materiais e sociais, mas oferecer meios para que esta população seja mais resiliente no lugar que habitam. A insegurança, contudo, é o sentimento que tem sido mais concedido para a vida de muitas pessoas, e a certeza de que eventos extremos estarão mais presentes no cotidiano se torna cada vez mais forte, já que a pesquisa “Global Predictions for 2022” da IPSOS evidencia que 62% dos brasileiros creem que desastres naturais serão mais frequentes em 2022.
A intensidade e frequência dos riscos e ameaças é diferente em cada lugar, dependendo de cada contexto social e econômico. Por isso, é importante a compreensão do que acontece em nossa cidade, nos territórios que a amarram, e das comunidades e grupos sociais que estão mais vulneráveis. A partir disso, a gestão pública tem a tarefa de entender esse cenário para propor planos de ação que possam mitigar os impactos. Mapear quais são esses locais propensos a maiores riscos é um passo primordial. Apesar disso, a análise dos indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), de 2020, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, indica que 67,6% dos municípios brasileiros não possuem mapeamento de áreas de risco – o que evidencia o descompromisso dos governos diante de uma realidade cada vez mais constante de medo, insegurança e insalubridade.
Por cidades mais resilientes
Se queremos construir cidades mais resilientes, precisamos fazê-las não com fantasia – do tipo que propõe que necessitamos ter todos os recursos possíveis para agir, super tecnologias, carros voadores, mega infraestruturas e prédios de mil patamares – mas, com imaginação: essa que olha para o presente, o compreende e tece respostas e soluções a partir das pessoas, da comunidade, de pé no chão, em busca da equidade, menos desigualdade e mais vida nos espaços.
Repensar o modo que estamos produzindo cidades, bem como a maneira que nos relacionamos com o ambiente que nos cerca, é indispensável para que possamos atingir um meio urbano mais seguro para se viver. O primeiro passo para isso, porém, é mais urgente: é preciso considerar a vida dos que estão mais vulneráveis. Para isso, são necessárias ações políticas concretas, para além do discurso vazio que não esteja comprometido com o enfrentamento das desigualdades, enfrentamento à crise climática e a construção de lugares mais seguros e afetuosos.
O Laboratório da Cidade trabalha para repensar as lógicas do meio urbano, a fim de propor caminhos para que possamos alcançar um ambiente mais democrático e justo para todas as pessoas. Acreditamos que a cidade é capaz de dinamizar atores políticos, econômicos e sociais para um diálogo que sistematize propostas e ações a favor da regeneração urbana e cidades mais resilientes.
REFERÊNCIAS:
Global predictions for 2022 (ipsos.com)
CSP_0173_16_Associacao.indd (scielo.br)
Como as cidades tentam se adaptar à mudança climática | Nexo Jornal
Bolsonaro libera R$ 700 milhões para apoio a regiões afetadas por chuvas | Nexo Jornal
‘Ninguém mora em área de deslizamento porque quer’ | Nexo Jornal
Direito-a-Cidade-caminhos-para-a-Justica-Climatica-PGDC.pdf (polis.org.br)
Níveis dos rios Amazonas e Tapajós atingem cota de alerta no Pará | Agência Brasil (ebc.com.br)
Por Augusto Junior. Arquiteto e Urbanista. Assessor de Projetos no Laboratório da Cidade.
Por Julia Ladeira. Arquiteta e Urbanista. Graduanda de Comunicação Social – Jornalismo pela UFPA. Voluntária no Laboratório da Cidade.