Por muito tempo pedestres e ciclistas foram negligenciados no planejamento de nossas cidades, resultado do urbanismo “carrocêntrico” que impera ainda hoje na maioria de nossos centros urbanos. Mas a nova agenda da sustentabilidade vem alterando este quadro e grupos de ativismo a favor do transporte ativo (e aqui incluímos o Laboratório da Cidade) florescem em cidades do mundo todo.
Ainda assim, historicamente, poucos dados são gerados para subsidiar um debate sério e responsável sobre o tema. Muito se fala em “smart cities”, ou cidades inteligentes, e do uso de tecnologia e sensores no planejamento urbano, mas poucos destes conceitos e inovações são vistos em Belém, salvo os propostos pelo Fablab Belém ou o Lablivre. Mas há três meses a rede social para atletas, Strava, relançou o mapa de calor de seus usuários.
A plataforma gratuita disponibiliza todas as rotas utilizadas por seus usuários, sejam os percursos percorridos a pé, pedalando ou pela água. Já a plataforma paga, o Metro Strava (que cobra UD$0,80 anuais por usuário), disponibiliza dados mais detalhados como contagem de usuários minuto a minuto por ruas, origem e destino das viagens e tempo de espera em cruzamentos.
A plataforma, apesar de nova, já é utilizada por mais de 125 organizações mundo afora (sendo 70 departamentos de transporte) e já tem influenciado a transformação da infraestrutura cicloviária de cidades como Seattle (que gerou um interessante estudo de caso disponível aqui).
Há quem diga que esses dados não representam o usuário comum, pois são coletados por smartphones e principalmente por atletas de fim de semana. Esses argumentos são reforçados ao analisarmos o mapa de calor de Belém. Basta compararmos a Tv. Angustura (recentemente agraciada com uma ciclofaixa) com a Estrada da Fazendinha (trilha de terra que liga a CEASA à APA Belém) e perceberemos que ambas apresentam a mesma densidade de usuários.
Por outro lado, a companhia alega que o aplicativo continua recebendo informações de seus usuários, mesmo quando não estão realizando práticas esportivas. Oficialmente, a estimativa é que, em áreas metropolitanas, apenas 50% dos dados coletados correspondem à prática de esporte. Este dado fica claro quando analisamos os deslocamentos pela baía de Guajará e Rio Guamá, onde não são as marinas que aparecem em destaque, mas os portos de passageiros como o porto do Arapari ou o de Icoaraci.
Mas mesmo os dados sendo exclusivamente de usuários que portavam smartphones durante o trajeto, e que 50% das viagens registradas sejam por motivos de lazer, ainda assim, valeria a pena utilizá-los para o planejamento de nossas cidades. Atletas tendem a utilizar a melhor infraestrutura disponível: entre as rotas oferecidas pelas vias João Paulo II, Almirante Barroso e Duque, a da Duque é a mais utilizada. Por quê?
Em outros casos, é a própria ausência de rotas (o que às vezes se traduz em bairros inteiros apagados no mapa) que torna o mapa de calor do Strava importante, pois pode denunciar a ausência de infraestrutura adequada ou mesmo falta de conectividade das ruas em uma determinada área.
Cidade Sensível
As cidades são como um corpo humano. Sua gente corresponde a células, suas quadras e edificações a seus músculos e suas vias são suas artérias, e como qualquer ser humano nossas cidades ficam doentes. O que ainda falta em nossas cidades são os sentidos (visão, olfato, tato, gustação e audição) e na cidade do século XXI, na cidade inteligente, a coleta de dados representa esses sentidos.
Algumas cidades têm investido em “sentidos” os mais detalhados o possível, como é o caso de Singapura, onde o governo tem sensores e controles remotos nos elevadores dos prédios habitacionais (o governo é proprietário de aproximadamente 70% das edificações nesta república) e realiza testes com os mesmos durante as madrugadas, como forma de prever a falha do equipamento e antecipar sua manutenção. Outras cidades, como Amsterdã, têm investido em aplicativos de celular e criam grandes campanhas para seus cidadãos ajudarem na coleta de informações.
Não é apenas o Strava que oferece esse serviço. O Moovit no Brasil já oferece a prefeituras os dados de seus usuários de transporte coletivo, fornecendo o tempo de espera, origem, destino e lotação dos veículos.
Seja como for, ferramentas como Strava, Moovit ou sensores de elevadores estarão cada vez mais presentes em nossas cidades. Apropriar-se destas ferramentas, tornar estes dados públicos e criar parcerias entre estado, academia e ONGs serão ações fundamentais para que um dia possamos dizer que vivemos em uma cidade inteligente. O Laboratório da Cidade está de olho nessas tendências e tem um grupo de estudo voltado para a discussão de como as inovações e a tecnologia podem nos ajudar a construir cidades mais sustentáveis, humanas e democráticas. Seja um colaborador.