O terceiro painel organizado pelo Laboratório da Cidade ocorreu no sábado, dia 19 de fevereiro. O encontro, que foi uma iniciativa do projeto Belém 40o em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (ICS), teve início às 10h30 e foi transmitido simultaneamente para o público geral através do YouTube.
Os convidados e ouvintes reuniram-se no Solar da Beira, prédio pertencente ao complexo do Ver-o-Peso. Construído no início do século XX, o espaço está localizado em um grande centro cultural de Belém, no perímetro dos bairros históricos.
O Solar da Beira já foi reduto de artistas e ativistas que, em meados de 2015, denunciaram o abandono e o descaso que o prédio sofria na época. Hoje, restaurado, serve à população como um espaço de exposições e de visitação. Muito adequado à proposta do painel, o lugar abrigou diálogos necessários sobre os desafios e as soluções possíveis, no que tange ao nosso patrimônio cultural e natural diante das mudanças climáticas, pensando em uma Belém sustentável.
Para compor a mesa, os convidados foram:
- Adelaide Oliveira – jornalista e coordenadora do Projeto Circular Campina Cidade Velha.
- Roseane Norat – arquiteta, urbanista e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA).
- Michel Pinho – historiador, professor e presidente da Fundação Cultural do Município de Belém (FUMBEL).
Na abertura do evento, um breve resumo sobre o que o projeto Belém 40° tem realizado ao longo dos últimos meses foi apresentado pelo mediador Lucas Nassar. Ele fez um apanhado geral dos ciclos de habitação e de mobilidade urbana, realizados em novembro e em dezembro, respectivamente.
Em seguida, iniciou as considerações sobre o tema central do painel citando dois casos. Primeiramente, falou sobre a cidade de Medellín, na Colômbia, destacando como o alto investimento em cultura pela gestão municipal foi fundamental para promoção da cidadania, ampliação do acesso à cidade e melhora dos indicadores sociais da região.
Citou, depois, o caso de Mostar, cidade europeia arrasada pelos conflitos da Bósnia, que teve como prioridade na sua reconstrução a reabertura da Ponte Velha no centro histórico como um símbolo de esperança para a população vitimada por aqueles confrontos.
Lucas explicou seu objetivo ao se referir aos casos: destacar a importância do patrimônio histórico cultural e natural na reconstituição das cidades, não somente do ponto de vista físico, mas também de um ponto de vista simbólico, no exercício de fortalecer o sentimento de pertencimento, a identidade e a alma das comunidades.
Depois dessa reflexão inicial, a primeira pergunta foi lançada aos convidados: “a partir das práticas e experiências pessoais de cada um, por que preservar o patrimônio cultural é tão importante para Belém?”
Adelaide Oliveira optou por iniciar a sua fala apresentando um panorama da crise generalizada em que o país se encontra e o impacto que o setor cultural tem sofrido durante a pandemia ao longo dos últimos dois anos. Em seguida, abordou os efeitos diretos das mudanças climáticas no patrimônio: primeiramente destacou as perdas materiais, relembrando a destruição dos casarões em Ouro Preto nos deslizamentos de terra; depois, falou sobre as perdas humanas em Petrópolis que representam também a perda das inúmeras memórias sobre a cidade.
Tais perdas, segundo Adelaide, são um reflexo direto da falta de políticas públicas voltadas para o meio ambiente que protejam as cidades, os seus cidadãos e a sua cultura. Para responder a pergunta lançada por Lucas, ela seguiu com sua linha de raciocínio, reforçando a necessidade de se pensar coletivamente em maneiras de garantir a proteção do patrimônio e dar a importância e a visibilidade necessária para essa pauta.
Roseane Norat, segunda a tomar a palavra, destacou o quão necessário é desmistificar a ideia do patrimônio como um elemento distante, inacessível e unicamente físico. Em concordância com Adelaide, ela apontou que o patrimônio diz respeito também ao que é imaterial, uma vez que, a materialidade só se faz presente diante do conhecimento, que é intangível:
“Não tem como separar materialidade da imaterialidade e eu acho que precisamos dar um passo muito grande para tratar a questão patrimonial; a cultura em todas as suas vertentes, interfaces, conhecimentos e manifestações não como algo transversal, mas sim como eixos estruturantes de qualificação do desenvolvimento social, econômico, turístico e ambiental.”
Ao final da rodada, Michel Pinho trouxe alguns relatos pessoais para explicar a sua relação de afeto com o centro histórico e para responder a pergunta lançada anteriormente pela mediação.
Segundo ele, foram os vínculos e as narrativas familiares, além das suas referências na fotografia e na cena cultural, que o deram a possibilidade de desenvolver sua ligação tão singular e determinante com a história e o patrimônio de Belém.
Partindo da sua perspectiva como atual gestor público, Michel falou sobre os desafios enfrentados na administração da Fundação Cultural do Município de Belém (FUMBEL). Denunciou a grave situação de desmonte enfrentada pela instituição e os entraves causados por questões financeiras que atualmente inviabilizam a construção de um plano político capaz de abraçar todas as demandas existentes, das mais básicas até as mais complexas.
Em seguida, lançou uma proposta aos presentes: convidou-os a compor um comitê voltado para o centro histórico, com o objetivo de elaborar projetos conjuntamente com a comunidade e com as representações políticas, a fim de viabilizar as ações da gestão ao longo dos próximos meses.
O painel teve prosseguimento com a concordância dos presentes em relação à proposta de Michel e a mediação levou o evento à segunda questão posta aos convidados que foi a seguinte: “Nas suas respectivas áreas de atuação, o que vocês já têm feito para garantir a preservação do patrimônio? O que, dentro dos setores de cada um, é prioridade atualmente?”
Adelaide Oliveira retomou a palavra e para dar a sua resposta explicou à audiência a finalidade do Projeto Circular, ao qual é vinculada. Ela, primeiramente, destacou a natureza agregadora dessa iniciativa que une diversos atores da cidade – moradores, empreendedores culturais, pequenos comerciantes etc.
Falou, depois, sobre como o projeto atua na promoção de diálogos sobre pautas que dizem respeito à cidade – como habitação social, por exemplo – e também sobre como o Circular tem sido importante no seu papel de cobrar a manutenção dos serviços básicos para a comunidade.
Destacou, por fim, a importância de agir através da sensibilização dos cidadãos e pela educação patrimonial para garantir, hoje, que as pessoas possam criar vínculos que irão assegurar não somente a manutenção do patrimônio da cidade, mas também a sua relevância para as gerações que virão.
Após a fala de Adelaide, Roseane Norat fez uma breve reflexão sobre sua trajetória, por meio da atuação na FUMBEL, na SECULT e na UFPA. Roseane pontuou o caráter contínuo do seu trabalho, uma vez que as problemáticas na área são recorrentes e cíclicas, mas garantiu: apesar das dificuldades, os caminhos resolutivos estão postos e envolvem, entre outras coisas, o desenvolvimento de estratégias para manutenção, valorização e ocupação ativa dos espaços da cidade – ações possíveis através do investimento financeiro e das parcerias fechadas com a universidade e outros agentes – além da criação de planejamentos consistentes, menos vulneráveis a descontinuidades.
Michel Pinho, por fim, destacou algumas ações já confirmadas pela gestão municipal para garantir a preservação do patrimônio, tais como a restauração do Palacete Pinho, do palácio Antônio Lemos e da própria sede da FUMBEL, além da manutenção e reabertura do Cinema Olympia.
Ele revelou também as discussões acerca dos planos de atuação nos bairros do centro histórico, que estão sendo pensados em conjunto com a sociedade civil. Nas palavras de Michel, é impossível pensar em políticas efetivas para o patrimônio sem que se pense nos cidadãos e nas suas necessidades mais urgentes:
“Nós temos um centro histórico vivo e ele só é importante se conversar com as pessoas que lá habitam e trabalham.”
Adelaide Oliveira pediu a palavra mais uma vez e teceu alguns comentários finais sobre a questão orçamentária que é, possivelmente, o maior fator paralisante das iniciativas no setor. Relatou também a urgência de se pensar em estratégias para garantir a preservação do nosso patrimônio natural – entre ilhas, rios – que é gravemente ameaçado por determinados segmentos hoje e negligenciado por alguns setores nas esferas do governo.
Feitas as últimas considerações, as discussões foram fechadas e o espaço para as perguntas da audiência virtual e presencial foi aberto. Para conferir o painel na íntegra, acesse o link.
Por: Ana Luísa Souza. Licenciatura em Letras. Voluntária no Projeto Belém 40º.