Investir em preservação e coesão social pode ajudar a reconstruir cidades destruídas por guerras ou por desastres naturais, segundo um novo relatório do Banco Mundial.
Medellín, na Colômbia, tem uma história de sucesso. Sob o comando de Pablo Escobar, o notório traficante de drogas que inspirou o programa Narcos, da Netflix, a cidade foi um dos lugares mais violentos do planeta durante os anos 1980 e início dos 1990. Posteriormente, transformou-se em uma cidade inovadora — uma “cidade modelo”. Os motivos que levaram a essa transformação são complexos, mas um fato muito importante foi o governo local focar na mudança da narrativa sociocultural, que originou o conceito de cultura ciudadana ou “cultura cidadã”. Foi o meio de fomentar investimento coletivo para o futuro da cidade — especialmente entre comunidades que antes eram fisicamente e socialmente excluídas.
A partir de então, o planejamento com abordagem multifacetada centrou-se em cultura: construir bibliotecas e parques, incentivar a arte e criar acesso e transporte para as comunidades dos morros da cidade.
“Arte e literatura, estilos de vida, formas de convivência, sistemas de valores, tradições e crenças”, de acordo com um relatório recém lançado pelo Banco Mundial em conjunto com a UNESCO, fazem parte de um elemento negligenciado na reconstrução de cidades que passam por desastres, guerras e outras formas de insegurança urbana.
“Embora a cultura seja essencial tanto como ativo quanto como ferramenta para a reconstrução e recuperação da cidade, ela é frequentemente deixada de lado ou considerada insuficiente como parte determinante”, declarou Laura Tuck, vice-presidenta de desenvolvimento sustentável do Banco Mundial.
Investir em instituições culturais, patrimônio e espaços públicos pode ajudar a construir intercomunicação entre comunidades em áreas urbanas de pós-conflito. Também ajuda na recuperação pós-desastre de maneira mais rápida, sustentável e eficaz. Os autores relatam que compensa ter esses investimentos substanciais em cultura no início do processo de reconstrução para que a cidade se torne mais atraente ao capital e ao turismo, fomentando o crescimento econômico.
O relatório também possui um guia de como integrar cultura em políticas centradas em pessoas e lugares de uma maneira que “responda às necessidades, valores e prioridades das pessoas”. Essa abordagem se mostrou eficaz durante a reconstrução de cidades como Seul (pós-Guerra da Coréia), Mostar (pós-Guerra da Bósnia) e Catmandu, no Nepal, que foi quase inteiramente destruída por um terremoto em 2015.
As cidades precisam dominar esse processo por alguns motivos. Primeiramente, o mundo continua a se urbanizar a uma taxa extraordinária — em 2050, 70% do planeta estará vivendo em cidades. Em segundo lugar, as ameaças apresentadas pelos desastres relacionados às mudanças climáticas e aos conflitos gerados pela falta de recursos são graves, generalizados e crescentes.
Segundo o Banco Mundial, as cidades que se encontram nesse processo de reconstrução precisam primeiramente reconhecer que essa cultura — seja ela tangível (por meio de monumentos, espaços religiosos e locais protegidos) ou intangível (por meio de arte, práticas artesanais tradicionais e outros tipos de conhecimento local) — é crucial para sua estrutura social e autoimagem. As cidades devem começar a reconstrução pelos locais mais significativos para seus habitantes nativos. Após a Guerra da Bósnia, por exemplo, a reedificação da Ponte de Mostar foi “simbólica para a regeneração entre as partes muçulmana e croata da cidade”, conforme a agência Aga Khan Trust for Culture.
A chave é equilibrar as necessidades básicas — abrigo, alimentação e assistência médica — com a vontade de promover expressão artística que ajude comunidades urbanas a processar traumas, noticiar e documentar experiências. Em Medellín, por exemplo, a arte era incentivada: a música punk, o breakdancing e os murais públicos surgiram paralelamente às melhorias físicas nas áreas marginalizadas da cidade, o que mais tarde atraiu turistas.
Para priorizar projetos e escolher intervenções certas, o relatório enfatiza a necessidade de estar em constante contato com as comunidades em estado de insegurança. De acordo com os autores, “somente através de participação significativa a comunidade realmente será capaz de ‘possuir’ ativos para que aprimorem sua utilização, operação e manutenção de forma sustentável.
Referências:
Traduzido de Citylab.com https://www.citylab.com/environment/2019/03/urban-culture-city-recovery-natural-disaster-reconstruction/584536/ Autoria original: Tanvi Misra.
Tradução por Stefano Danin. Jornalista e Tradutor.