“Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Esse é o objetivo de número cinco, dos dezessete estabelecidos pela ONU para o Desenvolvimento Sustentável das Nações até 2030. Cada um dos objetivos é composto por uma série de metas, totalizando-se 169 delas ao longo do texto. No objetivo de número cinco, por exemplo, acabar com todas as formas de discriminação contra mulher, eliminar formas de violência e garantir participação plena e efetiva em diversas oportunidades são algumas das metas estabelecidas.
Entrar em contato com os objetivos e tentar entendê-los em nível global parece ser a solução dos nossos problemas e a garantia da paz mundial, afinal de contas, temos um manual que diz tudo que precisamos para sobreviver. Mas, até que ponto todos nós, enquanto atores sociais, estamos alinhados a esse manual tão preciso? Esse questionamento surge como uma provocação, pessoal e coletiva, sobre nossas práticas e o paradoxo entre aquilo que acreditamos, as bandeiras que levantamos, e nossos comportamentos.
Dedico-me a estudar assuntos relacionados a gênero, desenvolvimento sustentável e Amazônia há alguns anos. Nesse período, o contato com as temáticas levantadas me fez refletir até que ponto temos gerado, enquanto sociedade, condições viáveis para que mulheres vivam com qualidade e possam usufruir de um desenvolvimento sustentável em um contexto como o nosso, uma cidade na Amazônia.
Pensar em questões que envolvam mulheres na atualidade já representa um esforço e uma lida árdua, se levarmos em conta o tanto de paradigmas que tentamos quebrar ao longo da história. Paradigmas de raça, classe, cultura, orientação sexual, escolhas profissionais, familiares e estéticas que envolvem nossa liberdade de expressão e até mesmo nossa percepção sobre o que é ser mulher. Pensar a mulher da Amazônia representa um outro paradigma se considerarmos uma mulher que se constrói em espaços que tangenciam a floresta e o urbano, ou a floresta urbana.
Essa é a mulher que vem à minha mente quando leio o “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, essa é a mulher que eu sou, a mulher da Amazônia. Ocupando esse lugar, passo a refletir sobre a necessidade de entendermos nossas territorialidades, empoderarmo-nos de nossas identidades e valores culturais e tomarmos posse do tão sonhado lugar de fala. Em outras palavras, quando falamos de lugar de fala, empoderamento, território e sustentabilidade, sinalizamos que o desenvolvimento sustentável só é efetivo quando vivenciado por atores locais.
Logo, a Amazônia, as cidades da Amazônia, precisam de mulheres conscientes da sua importância em níveis locais, nacionais e globais. Alguns autores, como Egg (1996), afirmam que o modelo de desenvolvimento sustentável é o mais indicado para a Amazônia, pois possui o objetivo de melhorar a qualidade de vida a partir de uma gestão racional dos ecossistemas, distribuindo custos e benefícios de forma equitativa entre populações, tendo em vista que um modelo sustentável inclui economia, ecologia e patrimônio sociocultural (SUNKEL, 1986).
Nesse sentido, pensar a mulher enquanto agente de desenvolvimento é identificá-la e empoderá-la em aspectos econômicos, ecológicos e socioculturais. Essa também é uma informação que conhecemos, algo que repetidas vezes escutamos em falas pontuais de militâncias ou grupos sociais: “É necessário empoderar mulheres!”. Mas como fazer isso? O que precisamos, de fato, além do discurso, para contemplarmos mulheres empoderadas na Amazônia?
O primeiro passo é entender o que é empoderamento, o “dar poder a si, ou a outrem”. De acordo com Kleba e Wendausen (2009), esse é um termo multifacetado, que se apresenta enquanto processo dinâmico e envolve aspectos cognitivos, afetivos e condutuais. O empoderamento possibilita emancipações individuais, gera autonomia e liberdade. Em nível grupal, desencadeia reciprocidade e respeito a todos os membros daquele grupo, promovendo pertencimento e práticas solidárias. Por fim, em nível estrutural, viabiliza processos de corresponsabilização e participação social.
Conhecendo o conceito e seus benefícios, o próximo passo, então, é entendermos que nossos comportamentos são fundamentais para a construção de pessoas, grupos, sociedades e culturas empoderadas. Quando compreendemos que uma prática ou comportamento não são somente uma prática ou comportamento e sim um apanhado de culturas, histórias e contextos, conseguimos dar sentido a absolutamente tudo que fazemos. E esse estado de consciência nos processos que vivemos é o que gera empoderamento.
Logo, quando comunico a alguém que suas práticas podem favorecer o desenvolvimento sustentável, antes de qualquer coisa ela precisa entender que faz parte de uma rede e que, nessa rede, tudo o que fizer vai gerar um impacto. Quando essa pessoa entende que possui uma prática significativa, então começa seu processo de empoderamento, assume seu território e conquista um lugar de fala que já era dela. Clarificar esses processos é fundamental para um desenvolvimento saudável e com atores comprometidos.
Em nossa cidade temos mulheres com práticas extremamente importantes, práticas viáveis e sustentáveis. Mas elas sabem disso? Será que estamos fortalecendo em nossa região uma cultura que faça a mulher se apropriar de seu lugar de fala? Será que a mulher da Amazônia se identifica como um ator de transformação social nos mais diversos espaços? Será que nossa cidade, enquanto um ambiente de todos, favorece a autonomia feminina em todos os seus ecossistemas? Se não, o que falta? Essas são provocações individuais e coletivas fundamentais para construirmos territórios que possibilitem a potência de todas as mulheres.
Referências
EGG, A. B. La Amazonia possible: recursos, problemas y posibilidades de una de las más intrigantes regiones del planeta. In: PAVAN, C. (Org.). Uma estratégia latino-americana para a amazônia. São Paulo: Fund. Memorial da América Latina/UNESP, v. 3, p. 21-33, 1996.
KLEBA, M. E.; WENDAUSEN, A. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saude soc., São Paulo , v. 18, n. 4, p. 733-743, Dec. 2009 .
PIRES, A. C. Sistema de estruturação de crenças sociointerativo: estruturação de crenças, lógicas de interação e processos de contingenciamento. Psicólogo informação, v. 17, n.17, p.133-191, 2013.
SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Ed. UnB/ FUNBEC, (1953); 1970.
SUNKEL, O. O marco histórico do processo de desenvolvimento/subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Unilivros, 1980.
ODS – OBJETIVO 5. Organização das Nações Unidas. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods5/
Por Natália Carvalho Viana. Pesquisadora e empreendedora. Atua na clínica e com projetos voltados a empreendedorismo, inovação e desenvolvimento sustentável. Desenvolve pesquisas nas áreas de empoderamento feminino, violência de gênero e dependências; famílias, comportamento e desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Artigo revisado e editado por Toni Moraes, Laboratório da Cidade.