Episódio #11: Os desafios das mudanças climáticas para a habitação
LAB: Oi, Brenda. Bem vinda! Nesse episódio vamos falar sobre a emergência climática e já gravamos com a Ana uma parte sobre como isso impacta as habitações periféricas de Belém, as habitações amazônicas. Queremos muito ouvir de ti sobre a parte contextual do clima. Acho que já vamos começar com aquela pergunta chave: o que está causando as mudanças climáticas no mundo?
BRENDA: Desde 1850 – que é o início da Revolução Industrial – o planeta já aqueceu em média 1,1°C e é a humanidade a grande responsável pela maioria esmagadora desse aumento de temperatura. Em torno de 1,07°C desse 1,1°C de aumento são atribuídos à atividade humana. Isso aconteceu por conta do aumento substancial dos chamados gases do efeito estufa, especialmente pelo uso de combustíveis fósseis como carvão mineral e o petróleo.
A gente sabe que lá na Revolução Industrial, o carvão mineral para geração de energia foi um dos grandes fatores que possibilitou o aumento da capacidade produtiva e aí depois veio o uso do petróleo. Ambos continuam sendo fontes principais de energia até hoje no planeta e acabam contribuindo com o aquecimento por conta da intensidade da emissão de gases do efeito estufa como o CO2.
Quanto mais consumo dessas fontes e mais gases são emitidos, mais eles ficam concentrados na atmosfera e retém o calor no planeta que é o que acaba acelerando esse aumento da temperatura. Também tem outras fontes de emissões, como por exemplo o desmatamento das florestas que também libera CO2 para a atmosfera e que contribui para o aquecimento do planeta.
LAB: De que forma a gente aqui na Amazônia está contribuindo para essas mudanças?
BRENDA: Para falar da Amazônia temos que olhar para o país como um todo, né? A principal fonte, no Brasil, de emissão dos gases de efeito estufa é o desmatamento e, em grande parte, o desmatamento da Amazônia. Se considerarmos os dados do estudo feito pelo Sistema de Estimativa de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEG), realizado anualmente pelo Observatório do Clima para saber qual o padrão de emissões no Brasil, observaremos no último levantamento de 2019 que 44% das emissões brasileiras foram por conta de mudanças do uso do solo, que é o desmatamento na Amazônia.
A segunda fonte é a agropecuária, com 28% das emissões brasileiras, muito fortemente ligada ao aumento do rebanho do gado porque o gado libera o gás metano que acaba tendo um potencial de aquecimento até maior do que o CO2. Então, na Amazônia a gente tem essas duas fontes muito presentes: o aumento do desmatamento e a expansão do rebanho bovino; e uma acaba influenciando a outra porque parte desse desmatamento é causado justamente pra abrir mais áreas para a agropecuária.
Quando a gente olha, por exemplo, para os municípios brasileiros, algumas pessoas podem achar que é São Paulo é o município que tem maior emissão ou algum município do Estado de São Paulo por conta da produção industrial, mas na verdade, quatro dos cinco municípios com maiores emissões de gases do efeito estufa no país estão na Amazônia – três deles estão no Pará. O campeão de todo o país é São Félix do Xingu que tem uma combinação de ser um dos líderes em desmatamento – geralmente tá ali ocupando ali o ranking dos três mais desmatados – e, ao mesmo tempo, é o município do país com o maior rebanho bovino.
Por um lado, isso é um grande problema porque a gente tá aqui na Amazônia, especialmente no Pará, que é o estado que tem maior nível de emissões de gases do efeito estufa. Porém, esse padrão de emissões é também considerado uma barreira relativamente fácil de ser superada se a gente comparar, por exemplo, com outras realidades que têm emissões mais dependentes de uso de petróleo e de carvão mineral para produção de energia.
Os cientistas e os economistas sempre falam que reduzir desmatamento é mais barato do que mudar o padrão de uma matriz energética, por exemplo. A gente sabe, até porque nós já fizemos isso no país, já conseguimos no passado reduzir fortemente o desmatamento. Infelizmente as políticas acabaram sendo enfraquecidas, a gente tá num momento de aumento do desmatamento. Mas sabemos que é plenamente viável fazer isso e agora é preciso ter políticas públicas que de fato voltem a estimular essa redução do desmatamento, pra gente reduzir essas emissões no país.
LAB: Entendi. Perfeito, Brenda! E de que forma tu achas que a gente, aqui na Amazônia, percebe essa crise climática no nosso dia a dia?
BRENDA: De forma geral, é importante entender que nós somos a primeira geração que está sentindo esses impactos na mudança do clima de forma mais evidente, né? O IPCC – que é esse painel de cientistas que estudam questões climáticas – divulgou recentemente, agora em agosto, o seu sexto relatório, e eles já trazem várias constatações sobre o que eles chamaram de eventos climáticos extremos por conta do aquecimento que já ocorreu no planeta.
Então, a gente tá com o planeta 1,1°C mais quente do que no final do séc XIX e os eventos climáticos extremos já estão acontecendo. Temos mais ondas de calor, que são os vários dias seguidos com uma temperatura muito acima do normal para o período em que ela ocorre; falam que esses eventos de ondas de calor já são 3 vezes mais frequentes no planeta como um todo. Temos eventos de chuva extrema também acontecendo com mais frequência, quando você tem durante um dia só uma quantidade muito absurda de chuva; a chuva que era esperada para um mês acaba acontecendo toda naquele dia, então isso é um evento extremo ligado a precipitação.
Eles estimam que a cada 0,5°C mais quente, maior vai ser a frequência desses eventos climáticos extremos. E a Amazônia nesse estudo que foi publicado agora já é uma das regiões que vai acabar tendo esse aumento de temperatura até maior que em outras regiões do planeta. Quando falamos que a temperatura aumentou 1,1°C, isso é uma média para todo planeta, cada região vai ter uma variação diferente e algumas vão ter até mais né?
Sabemos que, por exemplo, na superfície terrestre onde nós todos habitamos, a temperatura já é 1,6°C mais quente porque o 1,1°C considera também a questão dos oceanos. Então, cada região vai ter essas diferenças. Na Amazônia já tem estudos mostrando a redução na quantidade de chuvas e isso vai afetar a produção agrícola. Se você tem menos chuva, tem menos capacidade de produzir sem irrigação e a nossa agricultura no Brasil, em geral, depende da chuva natural. Ela não é irrigada na sua maior parte.
Tem várias consequências negativas. Quando a gente tá falando da produção agrícola, se você tem esses eventos extremos acontecendo, isso pode afetar uma safra. Vai afetar o desenvolvimento daquela plantação, isso vai resultar na perda da safra e o resultado direto é aumento do preço para o consumidor porque você vai ter pouco produto para atender a demanda. Isso já acontece com produtos como o trigo, o feijão, então, algumas vezes quando a gente vê no supermercado o aumento estúpido de preços do feijão, por exemplo, geralmente já tem ali alguma influência de um evento climático que provocou perda de safra.
A outra consequência é infraestrutura nas cidades porque se você começa ter chuvas frequentes e muito intensas num curto período de tempo, isso deteriora as estruturas, as ruas, as estradas, tem mais enchentes e vai potencializar os danos ligados a saúde. Então, em regiões na Amazônia, em Belém – que tem uma baixa cobertura de saneamento básico – quanto mais chuva e enchente, mais teremos doenças associadas a esse tipo de fenômeno, como leptospirose e diarreia.
Aí você tem populações mais vulneráveis sendo afetadas porque já tem uma deficiência maior dessas condições de saneamento e quando a gente fala dessa questão de vulnerabilidade, é importante que tenhamos uma atenção especial às mulheres porque elas também devem sofrer mais, de acordo com os levantamentos que são feitos. Já tem estudos mostrando que mulheres pobres em região de periferia são a maioria entre as vítimas de enchentes e desastres naturais. A gente tem que olhar também para a população mais idosa porque ela tende também a sofrer mais com esses eventos de ondas de calor.
Tem estudos mostrando, por exemplo, o aumento de risco de derrame e de infarto associados às temperaturas extremas. As consequências são muito diversas e, infelizmente, o que a gente tem que fazer nesse momento é tentar evitar que isso piore. Já estamos sofrendo esses prejuízos e alguns já são inevitáveis que continuem acontecendo. Estamos num período muito crítico de ser não apenas a geração que já vivencia as consequências das mudanças climáticas, mas também aquela que pode fazer a diferença e evitar que isso piore ainda mais.
LAB: Brenda, se a gente não fizer nada agora quais são as consequências que podemos esperar?
BRENDA: Os cientistas recomendam que o planeta não deveria aquecer mais que 1,5°C até 2100, mas já estamos em 2021 com aquecimento de 1,1°C. A previsão que saiu no relatório mais recente do IPCC é que já podemos atingir esse 1,5 de aumento na próxima década. Se nada for feito e se continuarmos no mesmo ritmo que temos agora de emissão de gás do efeito estufa, vamos chegar em 2100 com o mundo 4°C mais quente.
O nível de catástrofe disso é muito grande do ponto de vista da quantidade de eventos extremos que vão acontecer. A gente tem um desafio enorme porque temos que zerar, literalmente, as emissões de gases do efeito estufa até 2050 para impedir que esse cenário mais catastrófico aconteça. Tem que zerar e, se não puder zerar, tem que reduzir o máximo possível para que aquela pequena emissão que continuar possa ser compensada de alguma forma, com alguma tecnologia de captura ou aumento da plantação de florestas que absorvem esses gases.
A recomendação inicial é temos que deixar de usar petróleo e carvão para produção de energia, mas para isso precisamos de medidas que sejam muito amplas, medidas sistêmicas. Não basta que eu individualmente decida mudar meu estilo de vida. Precisamos de uma mudança muito mais radical e é por isso que o papel dos governos é muito importante nesse momento, porque são os governos que vão conseguir fazer aquelas regulações para fazer os cortes de emissões e redimensionar a economia e o padrão de consumo para que tenhamos medidas que levem, então, a esses grandes cortes de emissões. Eu gosto de falar que claro que é importante que individualmente a gente adote um estilo de vida mais sustentável mas só isso não é o suficiente, precisamos de muito mais.
A principal medida individual que cada um de nós pode adotar, especialmente nos países em que os governos são eleitos, como o Brasil, é o nosso voto. Não adianta eu adotar uma dieta vegana, parar de andar de avião, plantar muitas árvores se eu continuar votando em candidatos que não tem compromisso forte com a mitigação das mudanças climáticas. Vai ser, ali, uma medida individual que eu vou ter da minha mudança de padrão, mas que no grosso isso vai continuar acontecendo, e a gente precisa de uma grande mudança.
Os estudos mostram que quanto mais adiarmos essa queda de emissões, mais caro vai ser para conseguirmos atingir isso. Então, eu gosto de falar também que a cada eleição que passamos elegendo representantes que ignoram mudanças climáticas, consequentemente, estamos aumentando o custo da sociedade de reduzir essas emissões e aumentando as chances de termos cada vez mais prejuízo. Fica aí uma reflexão para todo mundo.
LAB: Excelente, Brenda. Cirúrgica! Aproveitando, eu queria te fazer uma pergunta que não estava no script mas eu fiquei curiosa: tu sabes de alguma coisa que está sendo feita nesse sentido? Se já tem algo sendo feito para mitigar essa situação? Existem planos, projetos, algo que esteja sendo feito?
BRENDA: Na escala global – do ponto de vista do que está sendo feito para ter compromissos para redução de emissões – a gente tem a Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas desde 1992. É um processo que vem, ao longo dos anos, avançando com negociações entre os diferentes países justamente pra conseguir chegar nos compromissos que vão permitir essa mudança de padrão das emissões.
O acordo mais eficiente dentro dessa convenção é o Acordo de Paris que foi celebrado em 2015 e que entrou em vigor agora – a pandemia afetou um pouco isso, mas o marco é 2020. O Acordo de Paris coloca que o mundo tem que evitar ao máximo esse aumento de temperatura acima de 1,5°C e cada país apresenta as suas medidas de mitigação. Não tem como passar metas de redução para cada país obrigatoriamente adotar; cabe a cada um chegar e dizer: “Olha, a gente vai até 2030 reduzir tanto”.
Só que os compromissos que já foram colocados na mesa até hoje, desde o acordo de Paris, ainda estão nos levando numa trajetória de emissões que vai ter aumento de temperatura em torno de 3°C, ainda é insuficiente. Precisa de mais ambição climática, que os compromissos sejam mais agressivos para que possamos, de fato, diminuir as emissões de forma significativa. E aí, cada país, nacionalmente, adota as suas medidas e estratégias.
O Brasil possui desde 2010 uma lei de política nacional de mudanças climáticas que tinha uma meta que acabou não sendo cumprida. A primeira grande meta era reduzir o desmatamento até 2020, em níveis abaixo de 4.000 km², e a gente chegou em 2020 com um desmatamento anual acima de 10.000 km², então, na nossa primeira meta nós já falhamos. Estamos com essa pendência e, ao mesmo tempo, o Brasil já tem seus compromissos para redução de emissões para 2025 e 2030, mas infelizmente nesse momento a gente tá numa trajetória que está indo contra porque continuamos aumentando o desmatamento.
Acabamos de ver o Congresso Nacional aprovando a medida provisória da Eletrobrás que basicamente coloca que o Brasil vai criar novas termelétricas. Deveríamos estar basicamente saindo fora desse tipo de fonte de emissões e estimulando cada vez mais fontes de energias mais renováveis, como solar, eólica, que tem se expandido amplamente. Nesse momento, eu diria que estamos vivendo um período muito crítico no país porque estamos bastante desalinhados, do ponto de vista governamental, com medidas que são necessárias para reduzir as emissões.
LAB: Brenda, foi ótimo. Super obrigada!
Transcrição por: Isabela Ferreira
Revisado e Editado por: Ana Luiza Souza
Transcrição da entrevista dada ao PodCast Papo da Cidade para o Projeto Belém 40º, realizado pelo Laboratório da Cidade em conjunto com o Instituto Clima e Sociedade (iCS).