(Entrevista com Prof. Jordan França)
Já pensou no quanto algumas tarefas diárias que realizamos sem pensar muito podem ser um grande desafio para pessoas com mobilidade reduzida? Pegar um ônibus, atravessar uma rua e, até mesmo, mudar de direção, são algumas das dificuldades que essas pessoas encontram, ao circular em cidades que desconsideram sua existência.
O projeto Cidade da Gente busca trazer para o centro do debate do direito à cidade as pessoas que enfrentam diariamente os desafios de viver em cidades que são produtos do nosso contexto social tão desigual. Para falar sobre as necessidades, direitos e reivindicações de pessoas com deficiência, conversamos com o Prof. Jordan França, sociólogo, e revisor de Braille na Coordenadoria de Acessibilidade da Universidade Federal do Pará, que nos explicou sobre desenho universal, sobre a necessidade de planejamento do poder público e de educar a sociedade.
Boa leitura!
Lab: Quais as maiores dificuldades que você encontra ao circular nos espaços públicos?
Jordan: Isso depende muito do espaço público, mas percebo, no meu município, que falta a acessibilidade do piso podotátil porque para que a gente possa se locomover em um espaço amplo, é necessário o piso podotátil para facilitar a nossa locomoção e para que a gente possa ter uma direção para o setor que a gente quer ir. Quando o espaço é muito grande e não tem esse recurso fica difícil para gente circular. Os banheiros também, muitas vezes, não têm uma entrada minimamente acessível, vãos muito estreitos, espaços pequenos entre a porta e a pia fazem com que a gente se machuque.
Lab: No Brasil, existem diversas resoluções normativas para garantir a acessibilidade para pessoas com deficiência nos espaços públicos e privados, porém isto sozinho não garante que encontremos espaços mais acessíveis. O que falta?
Jordan: A gente tem uma das legislações mais modernas do mundo voltadas para pessoas com deficiência, a NBR9050/2015 que traz boas informações de como tornar um espaço acessível, mas na prática a gente não percebe isso funcionando de uma forma satisfatória como gostaríamos. Isso passa muito por um processo de conscientização dos profissionais que trabalham nesses órgãos que projetam espaços públicos, ambientes que oferecem serviços públicos, arquitetos e engenheiros, porque o problema está na base. Precisamos pegar o problema na base e trabalhar com esses profissionais esse contexto de acessibilidade arquitetônica e acessibilidade urbana para que as pessoas com deficiência possam ter autonomia para circular e independência, isso vai propiciar um avanço muito grande. Se esses profissionais tiverem conhecimento do desenho universal isso já vai ser um avanço muito grande. Quando falamos de desenho universal, estamos falando que algo vai ser construído para contemplar um público amplo e é capaz de contemplar tanto pessoas com deficiência quanto sem deficiência. Falta muito essas discussões e a formação desses corpos técnicos. Muitas vezes, pensamos em uma legislação que venha a punir profissionais e órgãos que constroem infraestrutura sem acessibilidade, mas o que acontece é que sempre cai na mesma condição, paga-se a multa, livra-se da multa e se continua fazendo da mesma forma, é uma solução totalmente paliativa, por isso a conscientização é importante. A pessoa com deficiência só torna-se pessoa com deficiência de uma forma latente quando se depara com as diversas barreiras da sociedade.
Lab: Quais você considera ações urgentes para tornarmos nossos espaços públicos mais acessíveis? Do legislativo, do Executivo e da sociedade em geral?
Jordan: Eu penso que a gente já tem uma legislação moderna e atualizada, referente ao legislativo, a fiscalização é importante para que ela seja efetivada, porque a legislação já é boa e traz parâmetros para propiciar acessibilidade a todos os públicos com deficiência. O que falta do legislativo é a fiscalização, a punição não tem tanto efeito. A fiscalização deve acontecer desde o projeto para que esse possa vir já com um planejamento de acessibilidade, com rampas e elevadores para usuários de cadeira de rodas, piso podotátil para pessoas com deficiência visual, placas em braile, placas em libras para pessoas surdas, há uma gama de informações que precisam ser postas em práticas. O Executivo precisa realizar o que já está previsto na legislação. Muitas vezes se tem a ideia que para propiciar a acessibilidade em um espaço público precisa-se gastar milhões e há um engano muito grande em relação a isso, porque vai haver um gasto muito grande ao se construir um espaço e depois ver a necessidade de quebrar para proporcionar acessibilidade, mas quando já se executa os projetos atendendo aos parâmetros de acessibilidade, pelo contrário, só existem ganhos. O Executivo precisa executar ações que propiciem acessibilidade das pessoas com deficiência com planejamento. Quanto à sociedade, é muito importante que ela possa se conscientizar a respeito dos direitos das pessoas com deficiência. Nem todo mundo nasce com uma deficiência, muitas vezes, ao longo da vida, as pessoas adquirem uma deficiência. Então o que as pessoas precisam entender é que um dia elas podem ter uma deficiência, podem ficar idosas, com mobilidade reduzida, então a acessibilidade garante para toda a sociedade que se possa ter autonomia, independência e o principal de tudo: segurança no seu ir e vir. A sociedade é um microcosmo da vida muito importante para fiscalizar também, não precisa ser especialista em acessibilidade para entender que em um espaço falta uma rampa ou o banheiro está inadequado, ou que falta um piso podotátil. Um papel muito importante da sociedade é cobrar acessibilidade para todas as pessoas.
Lab: Belém tem os piores indicadores de acessibilidade no país dentre as capitais, por onde você gostaria de começar a mudar essa realidade?
Jordan: De fato, Belém é uma das piores capitais no que tange acessibilidade para pessoas com deficiência e até mesmo para as sem deficiência que passam muita dificuldade porque Belém é muito precária nesse sentido. A gente poderia começar a mudar essa realidade, pensando como educador e professor, que o ponto fundamental é a educação. Quando a gente faz um trabalho de conscientização o efeito é muito satisfatório. Em Brasília, foi feito um trabalho muito interessante de conscientização nas escolas com as crianças, ao longo de décadas, então hoje uma pessoa com deficiência quando vai atravessar a rua em Brasília, coloca a bengala na rua e os carros param para ela atravessar. Em Belém, você precisa ir pro meio da rua e os carros não param. Então a educação e discussão sobre acessibilidade deve acontecer desde a base, nas escolas, universidades porque a sociedade é preponderante para cobrar e fiscalizar a acessibilidade para todos os públicos e não só para pessoas com deficiência. A acessibilidade contempla idosos, pessoas com mobilidade reduzida e pessoas que, no futuro, poderão adquirir alguma deficiência. Avançando nesse trabalho de conscientização, vamos ter uma cobrança muito importante para os políticos, o que hoje, infelizmente, não ocorre, a efetivação das políticas públicas e toda a legislação de acessibilidade já vigente no Brasil.
O movimento social das associações das pessoas com deficiência também tem um papel muito importante nessa construção porque a sociedade organizada, principalmente, o público com deficiência tem uma força muito grande, mas ainda está muito fragmentado aqui em Belém. O conselho estadual da pessoa com deficiência está parado, Belém nem tem conselho municipal da pessoa com deficiência então dá pra perceber o quanto estamos atrasados nesse sentido, mas isso poderia fortalecer a luta deste público.
Lab: O que você deseja para os espaços públicos das nossas cidades?
Jordan: Primeiramente, que elas possam ser construídas ou readequadas de acordo com o desenho universal, que possam contemplar as especificidades e diversidades de públicos com deficiência com rampas, elevadores, pisos podotáteis, placas com libras, uma gama de recursos que podem ser implementados. A pessoa com deficiência visual que precisa atravessar uma rua sem sinal sonoro fica totalmente dependente de alguém chegar para ajudá-la atravessar, enquanto que, se ele existisse essa mesma pessoa poderia atravessar com segurança. Aqui em Belém, a gente tem um problema referente aos transportes públicos. Se eles tivessem sinais sonoros, eu, cego, poderia saber qual era o ônibus que chegaria na próxima linha, não dependeria de outra pessoa estar olhando.Não são recursos caros e, se já viessem implementados desde a base, não teriam os mesmos custos de quando são implementados na infraestrutura já pronta. A gente precisa mudar muita coisa referente a essa forma de fazer e pensar na acessibilidade desde o início, quando se está construindo. O que a gente gostaria de ter nas nossas cidades é o direito de um cidadão qualquer que tem o seu direito de ir e vir com acessibilidade e segurança, poder ir e voltar do trabalho com segurança, poder encontrar espaços de lazer acessíveis como outras pessoas sem deficiência encontram. A sociedade enxerga as pessoas com deficiência como se elas não fizessem parte, como se nós não tivéssemos inseridos neste contexto, como se nós não existíssemos e essa invisibilidade faz com que falte acessibilidade, mas falta consciência também. As pessoas com deficiência querem ter o seu direito garantido, são diferentes, mas têm os mesmos direitos que você. É uma realidade que a gente precisa mudar para que a sociedade enxergue as pessoas com deficiência como cidadãos de direito e não com privilégios, mas que necessitam desses espaços acessíveis garantidos para sua segurança, seu lazer, assim como qualquer outra pessoa.
Entrevista concedida a Isabela Avertano Rocha (Laboratório da Cidade).
Por Jordan França. Homem, de pele clara, cabelos pretos curtos, rosto arredondado com barba, usa óculos escuros, trajando camisa social preta. Licenciado em Ciências Sociais pela UFPA, pós-graduando no curso de Educação Especial e Inclusiva pela UFABC, lotado na COACESS/SAEST/UFPA, atuando como: revisor braille. Mediador de tecnologias assistivas software leitores de tela, TalkBack, Dosvox e NVDA, consultor de acessibilidade digital em sites, palestrante na área da deficiência visual e consultor em audiodescrição.