Veja como foi o painel de encerramento do ciclo de habitação do Projeto Belém 40º.
O primeiro painel do projeto Belém 40° ocorreu no dia 2 de outubro e reuniu convidados integrantes do círculo acadêmico, do poder público e da sociedade civil. A transmissão simultânea foi realizada na íntegra para o público geral através do canal do Lab no YouTube.
A escolha do local para a realização do evento não foi feita de maneira desintencional. O Gueto Hub, espaço que acolheu o primeiro encontro presencial do Laboratório depois dos meses em que vigoraram as restrições mais rígidas da pandemia, existe hoje como um ponto de referência em Belém. Situado no bairro do Jurunas, esse espaço multicultural busca oportunizar o compartilhamento de saberes e de experiências. Nesse sentido, as duas iniciativas partilham muitos valores e objetivos em comum.
A valorização do trabalho colaborativo, a realização de ações com potencial para fortalecer o espírito de comunidade, a busca pela promoção da democratização do acesso à cultura e o exercício do direito à cidade pelos cidadãos constituem uma intersecção entre o Gueto Hub e o Laboratório da Cidade, o que possibilitou uma parceria produtiva, garantindo, também, a promoção desse debate necessário e urgente.
As discussões foram oficialmente abertas por volta das 11 horas. Mediados pela coordenadora do núcleo de pesquisa do projeto Belém 40°, a arquiteta e urbanista Isabela Avertano Rocha, os três expositores convidados apresentaram suas falas, pesquisas e projetos aos demais participantes.
Os temas centrais abordados ao longo das exposições foram, mais especificamente, o modo de habitar da população no contexto amazônico, os desafios que envolvem essas demandas de habitação e os caminhos para mitigação dos efeitos que as mudanças climáticas exercem sobre o nosso cotidiano.
Quem iniciou as apresentações foi a pesquisadora, arquiteta e urbanista Tainá Menezes, doutoranda do PPGAU-UFPA e responsável pela pesquisa intitulada “Referências ao projeto de arquitetura pelo tipo palafita amazônico na Vila da Barca (Belém, Pará)”, Tainá apresentou aos presentes um resumo dos seus métodos e dos resultados coletados ao longo da produção da sua dissertação de mestrado.
Ela pontuou que sua pesquisa foi desenvolvida priorizando a união de aspectos técnicos e funcionais da arquitetura com os aspectos simbólicos próprios da vivência dos usuários.
A seguir, apresentou aos participantes o seu objetivo principal: a construção de conhecimentos pautados na vivência humana ribeirinha da Amazônia a serem incorporados na construção de projetos de habitação mais efetivos. Tainá também destacou a discussão realizada ao longo da sua dissertação sobre o conflito arquitetônico entre a produção formal e informal de habitação, focando na importância da resistência à extinção do modo de morar tradicional ribeirinho.
Enquanto explicava aos demais convidados sobre as complexidades que envolvem a discussão acerca dessas moradias, Tainá forneceu aos participantes algumas outras informações sobre o perfil dos ribeirinhos amazônicos. Segundo ela, essas populações tem seu modo de vida vinculado às tradições, preservando práticas e saberes herdados dos povos indígena e negro nordestino.
A integração direta da vida da população ribeirinha e de suas habitações com a floresta e os cursos d’água, bem como a indefinição dos limites entre o que é público e privado, orientaram sobremaneira a elaboração do projeto, nas palavras da pesquisadora.
Depois de apresentar o panorama geral, Tainá continuou a fala especificando os seus interlocutores: a comunidade da Vila da Barca, situada no perímetro urbano de Belém. Em termos de habitação, essa comunidade, que é o foco da sua pesquisa, apresenta tanto habitações do tipo palafita, como habitações pertencentes ao conjunto habitacional.
Tainá seguiu mostrando alguns quadros com informações sobre o método de pesquisa escolhido por ela para a realização da coleta de dados. Ela esclareceu que seu intuito era identificar – através das conversas, consultas não verbais, registros fotográficos, entrevistas e levantamentos domiciliares – as modificações realizadas pelos moradores nos sobrados e entender porque essas adaptações, que aludiam ao tipo palafita amazônica, aconteciam.
Na última parte da sua apresentação, a pesquisadora revelou os resultados do seu estudo para os participantes do painel. Mostrou resumidamente algumas respostas provenientes dos questionários, fotos e desenhos coletados ao longo das pesquisas de campo que apontavam diretamente para a necessidade que muitos dos moradores demonstraram de adaptar os sobrados às suas necessidades.
Tainá ressaltou certos padrões como a realocação dos banheiros para fora das casas, a instalação de estruturas nas paredes para comportar o uso das redes, as modificações estruturais na tentativa de garantir a vista para o rio e a construção das varandas; comportamentos atravessados diretamente por questões culturais e identitárias.
Em suas considerações finais, destacou:
“A gente precisa reconhecer a existência de comunidades ribeirinhas como uma tradição que convive e dialoga com o meio em que elas estão inseridas, e que tem muito a nos ensinar sobre formas de habitar mais sustentáveis […] É necessário discutir o conceito de sustentabilidade, integrando-o aos saberes do ambiente construído e com os usuários, a partir da vivência deles. As pesquisas em projeto têm, na produção informal de moradias, uma rica fonte de conhecimento de como produzir uma arquitetura comprometida com o lugar”.
Finalizada a apresentação de Tainá Menezes quem deu prosseguimento ao painel foi Bruno Zemero, professor doutor integrante do corpo docente da FAU-UFPA e do PPGAU-UFPA.
Para iniciar sua apresentação, Bruno citou a ocorrência dos eventos climáticos extremos recentes e apresentou ao público um apanhado geral sobre as principais causas do aquecimento global, tais como a queima de combustíveis fósseis, a produção de energia suja, o desmatamento contínuo e a falta de políticas públicas elaboradas a partir das óticas locais.
Depois, ele ressaltou aos presentes – através de dados, quadros informativos e conclusões retiradas do último relatório do IPCC (2021) – algumas consequências desse processo de aquecimento a nível global, como por exemplo o aumento da temperatura, a maior incidência de ondas de calor e a elevação do nível do mar, bem como o derretimento das calotas polares e a diminuição do regime de chuvas em algumas áreas.
Seguindo uma linha de apresentação dos problemas e de busca por soluções, Bruno abordou estratégias de mitigação desses eventos extremos, a serem traçadas a partir dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Em sua fala, ele destacou o objetivo 13 relativo à ação contra a mudança global do clima, o objetivo 10 relativo à diminuição das desigualdades e o objetivo 11 relativo às cidades e comunidades mais sustentáveis.
Ele continuou pontuando a necessidade de adequar essas estratégias às necessidades das populações amazônicas e abriu assim o segundo momento da sua exposição, voltado para a realidade local. Para focalizar a discussão, inicialmente trouxe mais alguns dados sobre as causas e efeitos do aquecimento global especificamente em Belém. Citou o boom imobiliário dos anos 2000 e o consequente aumento do emaranhamento de prédios, além do uso de materiais nas construções que, aliados à redução de áreas de verde, agem como grandes causadores das consequências negativas para o clima da cidade.
Em relação às resoluções, a primeira estratégia apontada pelo docente ao longo de sua fala foi o urbanismo sustentável local. Bruno detalhou aos demais convidados como os estudos realizados atualmente sobre a priorização do uso de materiais alternativos sustentáveis nas construções, o uso de energia limpa e a reestruturação da lógica de funcionamento urbano – englobando mobilidade, uso e ocupação do solo e os hábitos da população – são fatores capazes de atenuar os impactos sofridos hoje.
Para abordar a segunda estratégia de mitigação, Bruno retomou a fala de Tainá sobre a importância de oferecer moradias dignas respeitando singularidades e aspectos culturais:
“Quando a gente proporciona moradia digna, estamos dando condições para que as pessoas sejam mais sustentáveis e emitam menos carbono nos seus processos diários de convivência. Temos uma cultura muito peculiar na Amazônia que é a tipologia de palafita e falta uma política pública voltada para isso.”
Ele seguiu sua apresentação reafirmando a importância de se discutir políticas que não somente valorizem as formas de habitação local, mas também que garantam a segurança dos seus moradores e o reforço das estruturas já existentes.
Ressaltou alguns outros pontos relacionados à habitação, dando ênfase a uma iniciativa federal: a portaria nº 660, de 14 de novembro de 2018, que prevê a construção de moradias mais sustentáveis. Bruno novamente esclareceu ao público como iniciativas como essas são necessárias para a mudança de paradigma necessária em termos de planejamento habitacional.
Por fim, ele apresentou aos presentes algumas imagens da habitação modelo desenvolvida no seu projeto de pesquisa. Os modelos apresentados levam em consideração características do nosso clima e foram estruturados com o intuito de garantir o menor consumo de energia e priorizar a ventilação natural, utilizando também materiais que propiciam maior amenidade do clima.
Depois que Bruno Zemero fechou sua fala, Isabela Rocha passou a palavra para a terceira e última participante do painel.
Para iniciar sua apresentação, Anna Karina Almeida, que é integrante do núcleo de responsabilidade socioambiental da Embrapa, trouxe para o público alguns relatos das suas experiências com a instalação das fossas sépticas biodigestoras em comunidades no Pará.
Anna Karina relatou aos presentes que essa premiada tecnologia, desenvolvida pela Embrapa de São Carlos e disseminada pelos demais polos da instituição, ganhou força no estado ao longo dos últimos 3 anos por ser uma alternativa para a redução dos problemas causados pela falta de saneamento básico, que atinge uma parte significativa da nossa população.
As experiências descritas por Anna Karina circunscrevem-se às comunidades da Ilha das Onças e de Abaetetuba. A analista continuou sua fala descrevendo o primeiro contato e o recorrente estranhamento dos moradores ao serem apresentados à fossa séptica biodigestora. Muitos deles, geralmente usuários da fossa negra, não tinham qualquer ciência dos riscos de contaminação que corriam.
Ela esclareceu que a instalação das fossas sépticas, para além de cumprir a função de garantir a saúde da população, também tem o intuito de possibilitar que as pessoas vivam com mais dignidade e conforto, uma vez que muitas não dispõem de banheiro em casa.
Anna Karina descreveu ao público a disposição simples do sistema da fossa séptica, revelando também os materiais necessários para a sua construção: 3 caixas d’água de 1000 litros e as conexões PVC responsáveis por ligar as caixas uma a outra.
O processo realizado em etapas não somente possibilita que os dejetos sejam dispostos de maneira adequada e sem liberação de odores externos, mas também assegura, nas palavras da analista, a filtração e o reaproveitamento de água que pode ser utilizada para outros fins, como a rega das plantas.
Ela esclareceu que essa tecnologia é recomendada para áreas rurais e áreas alagadas e destacou o caráter participativo que muitas experiências de instalação dessa tecnologia tem, através da colaboração direta das comunidades com os técnicos, apesar de uma parcela dos moradores apresentarem ainda certa resistência ao uso da fossa séptica. Anna Karina finalizou sua apresentação convidando o público a ir até a Embrapa para conferir de perto o funcionamento da tecnologia.
Por volta das 12 horas, Isabela Rocha fechou as apresentações e após os agradecimentos direcionados aos expositores convidados por suas contribuições significativas, abriu o espaço para as perguntas dos ouvintes que podem ser vistas no canal do Lab no youtube.
Por: Ana Luísa Souza. Licenciatura em Letras. Voluntária no Projeto Belém 40º.