Ações possíveis por uma mobilidade urbana sustentável em Belém

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(Para serem iniciadas ainda em 2022)

Desenho seguro de ruas. Fonte: Nacto.

Oi pessoal,

No 2º ciclo do Projeto Belém 40º, focamos nosso debate em mobilidade urbana. Percebemos que a maioria das nossas cidades prioriza um modelo de mobilidade insustentável a qual chamamos de carrocentrismo. Avaliamos como essa escolha equivocada de investir de forma massiva em infraestrutura para automóveis contribui para o agravamento da crise climática com os altos índices de emissões de gases do efeito estufa e como os habitantes nas cidades sofrem as consequências disso diariamente. Olhamos para Belém, para entender quais são os desafios da mobilidade num centro urbano amazônico. Para escrever o artigo de hoje, fizemos uma análise da legislação vigente, do Plano Plurianual do Município de Belém e da Lei Orçamentária Anual (2022), a fim de entender o que pode ser feito até 2025 neste setor. Avaliamos o planejamento e a priorização dos investimentos e queremos apresentar para vocês uma lista de ações possíveis em direção a um modelo de mobilidade mais sustentável para a nossa cidade.

Esperamos que gostem,

Isabela Rocha 

No artigo anterior, apresentamos os impactos negativos causados pela priorização equivocada de investimentos em mobilidade voltada para automóveis. Neste, considerando as metas para mobilidade estabelecidas no Plano Plurianual (2022-2025), apontamos possibilidades de ações e investimentos que podem começar a ser executados, já a fim de direcionar Belém para o caminho de uma mobilidade mais sustentável. 

Ainda em 2022:

Adequar a legislação:

Em 2021, durante a jornada de Inovação e Aceleração da Região Amazônica (IARA), o Lab lançou a campanha Caminhando por Belém, que propõe olhar para nossos espaços públicos através da perspectiva do pedestre, entendendo quais são suas dificuldades diárias, em busca  de melhorias efetivas para as condições de caminhabilidade dos nossos espaços públicos. Belém, hoje, é a pior capital do país quando o assunto é calçadas, como já abordamos  no 1º artigo deste ciclo. A classificação foi realizada levando em conta níveis de acessibilidade, conforto e segurança para o pedestre. Desse modo, a  pesquisa realizada para a campanha apontou uma legislação defasada e insuficiente para sustentar as mudanças que precisamos para tirar nossa cidade desta posição. 

Seguem aqui, algumas adequações urgentes que podem ser feitas ainda no decorrer deste ano:

  • Alteração no Código de Postura do Município de Belém:

O Código de Postura do Município de Belém data do ano de 1977,e ainda é a legislação utilizada como referência para ações de fiscalização da Secretaria de Urbanismo municipal. A exemplo disto, vimos em novembro de 2021, ações da Seurb para remoção de balizadores instalados por moradores nas calçadas. Os balizadores cumprem uma função importante ao criar uma barreira física para impedir os carros de estacionarem sobre os passeios públicos e já são utilizados em diversas áreas do centro histórico de Belém a fim de preservar nosso patrimônio. A retirada dessas barreiras físicas das calçadas faz com que muitos motoristas se sintam livres para estacionar sobre o espaço de circulação do pedestre. O melhor caminho para solucionar este problema é a atualização da legislação defasada para regulamentar, orientar, propor formatos, modelos e tipos de materiais a serem utilizados, e não a simples retirada dos mesmos. A mesma solução deve ser considerada para paraciclos, bancos, e outros mobiliários que propiciem melhores condições aos pedestres e ciclistas, devidamente sinalizados e respeitando faixa livre mínima de circulação. 

Outra atualização necessária é que, pelo Código de Postura, a obrigação da construção e manutenção das calçadas é do proprietário do imóvel lindeiro, no entanto, trata-se de uma obrigação constitucional dada às prefeituras, responsabilidade reforçada pela previsão de exclusividade dos municípios na produção de planos diretores. Devido às dificuldades orçamentárias, alguns municípios no Brasil vêm adotando um modelo de responsabilidade compartilhada entre os Executivos municipais e proprietários e alcançando bons resultados. 

  • Manual de Calçadas Cidadãs:

Para criarmos uma cultura de mobilidade mais sustentável em Belém, precisamos construir caminhos para que todos os cidadãos tenham a possibilidade de se deslocar com facilidade e segurança. Assim, precisamos dar atenção para as nossas calçadas, já que  todos nós precisamos circular por elas em algum momento do dia. Garantir que pessoas com mobilidade reduzida, crianças, mulheres e idosos tenham acesso a calçadas seguras, limpas, arborizadas e acessíveis, é o básico.

 A garantia do direito à cidade começa na porta de casa, bem como os desafios hoje encontrados para os deslocamentos a pé. A fim de começar a superar estes, algumas cidades do Brasil já desenvolveram seus manuais ou cartilhas para nortear a construção de calçadas cidadãs. O desenvolvimento de um documento guia para a construção das calçadas em Belém é urgente, uma vez que, a falta de padronização, nivelamento e o avanço de edificações sobre elas, são alguns dos principais problemas encontrados nos locais onde elas existem. A cartilha permite especificar tipos de piso, larguras mínimas, recomendações para áreas permeáveis, jardins, arborização, instalação e sinalização de mobiliários, instruções sobre níveis e construção de rampas. Os debates sobre o desenvolvimento deste manual foram iniciados com a Secretaria Municipal de Urbanismo durante a campanha Caminhando por Belém. 

  • Definir rotas estratégicas para investimentos prioritários:

Outra conquista da campanha de advocacy realizada pelo Lab foi a apresentação do projeto de lei do Plano Emergencial de Recuperação de Passeios Públicos e/ou calçadas, protocolado pela vereadora Lívia Duarte em novembro de 2021. A proposta é priorizar ruas com alto tráfego de pessoas, que dão acesso a serviços importantes como bancos, hospitais, corredores de transporte público e uso misto de comércio e serviços, a fim de realizar investimentos que realmente apareçam, causem alto impacto e tenham visibilidade para, a partir daí, multiplicá-los. 

Neste sentido, também, articulamos a execução de um projeto piloto para a primeira “rua completa de Belém” em 2022. Será definido um corredor para executar um projeto que

proporcione segurança e conforto para todas as pessoas e usuários de todos os modais de transporte. Para ampliar a segurança dos pedestres, podem ser utilizadas como estratégias o alargamento de calçadas e redução nos raios dos giros nas esquinas, travessias em nível, além do implemento de balizadores. Para ciclistas, a  rua completa também deve proporcionar ciclofaixas, bicicletários, entre outros mobiliários, a fim de criar um espaço mais convidativo para quem se locomove de bicicleta. A  arte urbana em muros, e também no chão, pode ser utilizada para criar uma rua mais afetuosa, além de ter certa funcionalidade quando utilizada para aumentar o limite de esquinas, por exemplo. Além disso, a inserção de vegetação é capaz de ampliar o conforto de quem circula pela área, reduzindo o calor e criando sombreamentos. 

Entre 2022 e 2025

Ampliação da malha cicloviária e incentivo à ciclomobilidade:

De acordo com relatório do Coletivo ParaCiclo (Projeto Belém que Queremos), Belém é uma das capitais que apresenta mais altos números de deslocamentos pendulares por bicicletas na região Norte do país. Isto acontece por conta das condições favoráveis do baixo relevo da cidade e distâncias relativamente curtas. No entanto, o potencial deste tipo de mobilidade ainda é pouco explorado em nosso município. Belém conta, hoje, com 113,72 km de malha cicloviária, entre ciclovias e ciclofaixas. Quando eleito, o prefeito Edmilson Rodrigues declarou querer transformar Belém na capital nacional das bicicletas, tornar nosso sistema cicloviário eficiente e integrado a outros modais. 

No plano plurianual de Belém, há previsão de implantação de 90 km de ciclovias e ciclofaixas em Belém até 2025. Em 2022, deverão ser construídos 30 km.

É importante ressaltar que existe uma demanda dos movimentos de cicloativismo da sociedade civil para que seja posto em prática o Plano de Mobilidade Urbana do Município. Outras reivindicações frequentes são: a volta do sistema de bicicletas compartilhadas, a conservação, manutenção e correção de trechos já existentes; dispositivos de segurança, como barreiras físicas que impeçam a invasão das ciclovias e ciclofaixas por motociclistas e automóveis; descentralização na ampliação da rede , uma vez que a maior parte localiza-se em áreas centrais e as regiões de periferia são muito pouco assistidas; educação no trânsito e integração com outros modais. 

O exemplo de Fortaleza:

Atualmente, Fortaleza vem se tornando referência em mobilidade sustentável para todo o país. Os investimentos, iniciados em 2013, e realizados de forma massiva contam com obras para oferecer infraestrutura adequada (400 km de malha cicloviária), investimentos em campanhas de educação no trânsito, sistema de bicicletas compartilhadas ( 192 Estações Bicicletar e nove Mini Bicicletar) com integração de modais, incentivo à ciclomobilidade desde a primeira infância, entre outros. “Conforme pesquisa, na capital cearense, mais de 50% dos habitantes moram a menos de 300 metros de alguma ciclovia, ciclofaixa, ciclorrota ou passeio compartilhado.”. Um conjunto de ações que vêm mudando também a cultura da mobilidade na cidade e fazem de Fortaleza um exemplo a ser seguido: de acordo com levantamento da Autarquia de março para agosto de 2021, o uso das bicicletas compartilhadas registrou crescimento de 177% por dia. 

Também em 2021, a cidade ganhou quase 60 km de nova malha cicloviária. Se queremos transformar Belém na capital das bicicletas, precisamos construir bem mais que 30 km de ciclovias por ano.

Para o transporte coletivo:

No artigo que trata dos impactos dos investimentos ultrapassados em mobilidade, apontamos como as condições criadas por um sistema de mobilidade insustentável reforçam as condições de desigualdade existentes: “Com um transporte público sem prioridade e, cada vez mais precarizado, o acesso aos bens da cidade se torna algo difícil, com o tempo no trânsito cada vez mais longo, e as tarifas de ônibus cada vez mais altas – entre tantos outros problemas que afetam diretamente quem depende desse serviço”.

Para começarmos a mudar esta realidade apontamos a importância de duas frentes de ações que já estão previstas no plano plurianual do município de Belém (até 2025) e na Lei Orçamentária de 2022.

  • Integração Tarifária:

 No final de 2020, a Câmara Municipal de Belém aprovou a lei do bilhete único municipal que confere “ao usuário do Bilhete Único Municipal o direito a 8 (oito) viagens durante o período de 12 (doze) horas” e, em novembro de 2021, a Prefeitura Municipal de Belém lançou o programa Integra Belém que faz alterações no transporte público de Belém, mudando rotas e criando novas linhas, permitindo que moradores de bairros mais distantes do centro tenham deslocamento mais fácil e ágil para áreas centrais, onde muitas vezes precisam trabalhar. O programa Integra Belém permite a troca de veículo dentro dos terminais de integração e a cobrança de uma única passagem por sentido de trajeto, uma passagem de ida e uma de volta. A implementação e ampliação do alcance deste serviço tem importância fundamental na democratização do direito à cidade. Bem como a sua integração com a infraestrutura cicloviária.

  • Corredores exclusivos para transporte público

O plano plurianual do município estabelece como meta a ampliação de corredores e faixas exclusivas de ônibus em 50%, desse total, apenas 25% devem ser executados em 2022. O sistema BRS (bus rapid service) de Belém funciona nas faixas direitas das vias: Gov. José Malcher (da José Bonifácio à Visconde de Souza Franco), Conselheiro Furtado (da Castelo Branco à Padre Eutíquio) e Castelo Branco (que serve de integração entre a Governador José Malcher e a Conselheiro Furtado). A ampliação de 50% nesta extensão estende em menos de 5 km os corredores exclusivos, uma meta modesta para um serviço tão importante que garante maior fluidez às viagens de ônibus e funciona como incentivo ao uso de transporte público.  

Conclusão

A Lei Orçamentária Anual (2022) prevê um orçamento de R$82.625.540,00 para a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (SEMOB), aponta destinação de recursos para os programas chamados “Integra Belém: implantação do sistema integrado de operação do BRT”, “Sistema Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana”, “Desenvolvimento de educação integrada para o trânsito e cidadania”. Ao observarmos as metas, distribuição e priorização de investimentos, ainda encontramos alguma modicidade e pouca inovação para levar a mobilidade de Belém a um caminho realmente sustentável. Já vimos que a cultura do carrocentrismo foi incentivada, também, pela priorização de investimentos na ampliação de espaços para a circulação de automóveis. Precisamos, então, inverter essa lógica para criar uma cultura de mobilidade sustentável, com metas e investimentos mais contundentes em calçadas, infraestrutura cicloviária e transporte coletivo, contamos com os agentes públicos municipais para isto e precisamos desde já.

Referências:

http://portaltransparencia.belem.pa.gov.br/wp-content/uploads/2022/01/1%20Lei%20Or%C3%A7ament%C3%A1ria%20Anual%20LOA%202022.pdf

https://decide.belem.pa.gov.br/uploads/decidim/attachment/file/6/PPA_Bel%C3%A9m_2022-2025_0109.pdf

Relatorio Videos dos parceiros – Anotações da Belém que queremos.pdf

http://agenciabelem.com.br/Noticia/222922/proposta-de-orcamento-municipal-de-belem-para-2022-apresenta-avancos

https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/12/15/vereadores-aprovam-orcamento-de-4-bilhoes-de-reais-a-belem-para-2022.ghtml

https://laboratoriodacidade.org/2022/01/28/5-impactos-de-investimentos-ultrapassados-na-mobilidade-urbana/

Ruas completas

ACESSOS SEGUROS

Fortaleza alcança marca de 400 km de malha cicloviária no Dia Mundial sem Carro

https://maragabrilli.com.br/wp-content/uploads/2019/07/Cartilha-das-Calc%CC%A7adas.pdf

Lei Nº 9650 DE 30/12/2020 – Municipal – Belém – LegisWeb

Semob apresenta nesta sexta-feira o programa Integra Belém

‘Integra Belém’: transporte público da capital passa por modificações | Pará | G1

Por Isabela Avertano Rocha. Urbanista e Arquiteta. Especialista em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Mestra em Desempenho Ambiental e Tecnologia. Integrante do Coletivo Cidade para Mulheres. Diretora Executiva no Laboratório da Cidade. Colunista e curadora de conteúdo do Blog do Lab.

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