Conheça Dongho Chang, diretor do Departamento de Engenharia de Tráfego de Seattle.
Na última semana fui convidado pela prof. Elcione Moraes a participar da banca de Trabalho Final de Graduação de um de seus orientandos, o projeto propunha uma reconfiguração completa da Travessa Wandenkolk em Belém do Pará e me fez pensar em Seattle. Seattle é uma de minhas cidades favoritas nos EUA (empatada com Portland, Oregon). O que me deixa apaixonado por essa cidade são duas coisas: primeiro a atitude de seu povo, sempre de bom humor – embora seja a cidade com maiores índices pluviométricos do país – tanto o carisma quanto a chuva me faziam lembrar de Belém e; segundo, pelo carinho que a cidade trata seus cidadãos – isso não lembra nem de longe minha querida Belém, mas dizem que queremos sempre o que não temos, nesse caso, não poderia estar mais de acordo. Para ilustrar esse carinho da cidade por seus cidadãos, resolvi contar a história de Dongho Chang.
“Eu costumo passear pela cidade de manhã cedo e tento resolver os problemas no fim do dia” diz Chang (vestindo uma calça de ciclismo durante uma entrevista). O problema do dia, por exemplo, é o relato de um cadeirante com dificuldades de trafegar por uma rampa. “Se você não conhece essas pequenas coisas, ninguém vai jamais revolve-las, então é legal saber que existe uma esquina que precisa de melhorias”.
O fato de que o diretor de tráfego está pessoalmente respondendo a desafios de acessibilidade é impressionante, mas novamente, Seattle tem ferramentas de engajamento social formidáveis.
Além de contar com os meios tradicionais de ouvidoria e de contar com o aplicativo 311 (para reclamações e pedidos), a cidade lançou recentemente o programa “sua voz, sua escolha” (Your Voice Your Choice) onde os cidadãos podem definir as prioridades de investimento para espaços públicos em seus bairros. O programa permite transparência e cria dados importantes para urbanistas promoverem pequenas mudanças na cidade.
Uma das requisições possíveis através do programa é a “play streets”, ou ruas para brincar, onde comunidades podem solicitar o fechamento do tráfego de automóveis em suas ruas para transformá-las em parques nos finais de semana ou datas festivas.
Voltando para Chang, quando perguntado sobre como implementar melhores calçadas à baixo custo, ele sacou seu celular e mostrou um de seus famosos tweets (sim, Chang é famoso por passar o dia tuitando sobre mobilidade em Seattle), a fotografia de uma calçada nova em folha criada por tinta e balizadores.
Chang ficou tão famoso entre os moradores de Seattle e aficionados do transporte público, que criaram uma hastag pra ele, #pygmalionizedongho, onde é possível encontrar jogos de palavras e até poemas em sua homenagem.
Então qual é o segredo?
Chang diz que que é necessária uma abordagem holística para melhorar a experiência do usuário.
A cidade trata seus problemas de forma integrada com outras secretarias e departamentos, discutem desde a mudança de localização de paradas de ônibus até que tipo de ferramentas criar para fazer trabalhadores chegarem mais rápido em seus locais de trabalho.
“Nós sabemos que pequenas transformações têm grande impacto em como uma agência de trânsito é vista pelo usuário” diz Chang. “Nós não damos muita atenção se não fizer uma grande diferença”.
Quando a cidade decidiu que queria melhorar a pontualidade de seus ônibus, por exemplo, soluções como permitir que o transporte público tenha prioridade de saída nos faróis de trânsito foram criadas. Essa simples solução foi preponderante para convencer potenciais usuários que estavam em cima do muro entre utilizar transporte coletivo ou individual. A cidade chegou inclusive a lançar um guia para eficiência do transporte coletivo, que qualquer cidade pode utilizar. “O problema agora é outro, agora os ônibus vivem lotados”.
No fim das contas, ele diz, nosso trabalho é sobre dar mais opções para nossas famílias, e é por isso que a sua prioridade é criar um excelente ambiente para caminhadas que possa prover boas conexões para escolas, parques e livrarias. “O custo de transporte é o segundo maior custo do orçamento familiar, é por isso que vamos fazer tudo que for possível para que nossas famílias possam economizar com transporte e poder usar esse dinheiro para outras coisas”.
Essa abordagem tangível, “tuitável” de alcançar resultados e divulga-los, tem gerado uma percepção de que essas transformações que tanto queremos em nossas cidades são possíveis.
“Alguns engenheiros de tráfego e urbanistas ficam presos em livros e manuais, mas Chang é conhecido por estar nas comunidades, por testar inovações”, diz Gordon Padelford, diretor do Departamento de Ruas Verdes de Bairros (sim, Seattle tem um departamento que trabalha exclusivamente para pensar em ruas que sejam verdes e respeitem as realidades de cada bairro).
Os eleitores de Seattle parecem gostar dessas mudanças, a cidade aprovou o recentemente um referendo para aumento de impostos com o objetivo de financiar investimentos na mobilidade urbana e no transporte público. Isso não quer dizer que de repente, Seattle se transformou um paraíso dos transporte sustentável, ainda é difícil de se locomover por uma cidade, que pela maior parte de sua história priorizou o carro, mas o fato de termos pessoas como Chang fazem os eleitores terem a sensação de que há prestação de contas com a sociedade e de que as transformações de curto prazo implementadas, buscam uma transformação de longo prazo.
Enquanto põe a cidade em movimento, Chang também é testemunha de como essas pequenas transformações do transito estão mudando a vida das pessoas. Uma noite, quando pedalando de volta para casa, Chang viu uma mulher utilizando umas das bicicletas compartilhadas da cidade, sendo ensinada, por seu filho, a pedalar. “Foi um momento reconfortante, a estação de bicicletas compartilhadas estava bem ali, e a mulher estava reaprendendo a pedalar, dessa vez ao lado de seu filho”.
Adaptado do artigo “Why transit nerds are so jealous of Seattle” por Alissa Walker, acesssível em curbed.com.
Por Lucas Nassar