O segundo painel organizado pelo Laboratório da Cidade aconteceu no dia 15 de dezembro, no Centro de Formação de Professores que está localizado na região central de Belém. Mediado por Lucas Nassar, o encontro foi mais uma iniciativa do Belém 40o, projeto realizado em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (ICS).
O evento, que teve início por volta das 19:30, foi transmitido simultaneamente para o público geral através do canal do Laboratório da Cidade, no YouTube. Os convidados tiveram a oportunidade de discutir com a audiência as suas percepções relativas à mobilidade urbana em Belém, partindo das suas áreas de atuação dentro do eixo.
Para compor a roda e movimentar a troca de ideias, os convidados foram:
- Melissa Noguchi que é cicloativista, diretora administrativa do coletivo Paraciclo e também uma das idealizadoras do Pedala Mana, projeto voltado para as mulheres cicloativistas. Além disso, também é empresária e especialista em Cidadania e Políticas Públicas.
- Ana Valéria Borges que é engenheira civil graduada pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pós-graduada em Engenharia de Transportes pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra (COPPE/UFRJ). Paralelamente à docência, Ana Valéria também acumula anos de experiência como funcionária da ARCON-PA e, desde 2021, atua na Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém.
- Paulo Ribeiro que é arquiteto e urbanista graduado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista em Planejamento de Transportes Urbanos pela mesma universidade, mestre em arquitetura (PROArq -UFRJ) e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM-UFPA). Paulo também é professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UFPA) e servidor público lotado no Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano (NGTM).
Para a abertura do painel, uma dinâmica foi realizada através do site Mentimeter (menti.com). Com o link e o QR Code dispostos para todos, a proposta foi realizar um levantamento de dados em tempo real sobre a locomoção dos participantes até o local. Os resultados foram exibidos e comentados na medida em que surgiam na tela.
Na primeira questão posta ao público sobre qual tipo de modal utilizado por cada um para chegar até o Centro de Formação, ao menos 50% declararam ter utilizado carro particular para se locomover. As demais porcentagens coletadas foram: 21% para ônibus, 14% para a locomoção a pé, 7% para bicicleta e 7% para outros meios que não os citados anteriormente.
Na segunda questão, os participantes informaram a média de tempo gasto no transporte. Pelos dados coletados, a maioria não utilizou mais do que 30 minutos do seu tempo para ir até o destino utilizando o carro como modal. Foi verificado também que os participantes cujas viagens foram mais longas se locomoveram principalmente de ônibus.
Com esses dados em mãos, o mediador do evento fez algumas ponderações. Lucas pontuou que, apesar dos participantes em sua maioria terem utilizado o carro para se locomover, essa não é a realidade da população da cidade que realiza majoritariamente a locomoção a pé e através do transporte coletivo.
A partir dessas constatações, uma ponte foi estabelecida para o momento posterior do painel. Direcionado novamente aos três convidados, Lucas comentou sobre o crescimento desenfreado das cidades que, aliado à priorização de um modal em detrimentos dos outros, acabou por potencializar a hegemonia do transporte individual motorizado.
O evento seguiu tendo como norteadora a seguinte provocação: Afinal, qual a primeira iniciativa a ser tomada em 2022 pensando em cidades mais sustentáveis?
Primeira a tomar a palavra, Melissa Noguchi defendeu que é urgente mudar a matriz do modal que hoje é o grande foco das políticas públicas nas cidades e que concentra a maior parte dos investimentos vindos do poder público. Os investimentos, segundo ela, devem ser alocados em mobilidade ativa porque enquanto isso não ocorrer, não será possível realizar transformações significativas que possibilitem não somente as melhorias na mobilidade urbana, mas também a redução dos poluentes.
Ela completou sua fala destacando a necessidade de se investir na infraestrutura dos modais ativos, priorizando o usuário de bicicleta e os pedestres – o que inclui não somente a manutenção e ampliação da malha cicloviária, mas também o investimento em arborização e em medidas que visem a redução da poluição sonora.
Paulo Ribeiro, segundo convidado a falar, concordou com Melissa e, na sua fala, acrescentou uma reflexão sobre o uso do transporte público. Paulo revelou que o ponto mais sensível dentro da discussão sobre mobilidade é a limitação do espaço de circulação dentro das cidades. Afinal, como alocar de maneira eficiente tanto o transporte público coletivo, quanto os modais ativos dentro de um espaço já tão preenchido pelos automóveis particulares que, por sua vez, dominam progressivamente o cenário urbano?
Ele também comentou sobre a dificuldade que existe em convencer uma parte significativa da população usuária dos carros da urgência e da importância de se ceder espaços aos demais modais dentro das cidades.
Para finalizar a rodada, Ana Valéria retomou os pontos levantados anteriormente por Paulo e Melissa, reforçando o quão desafiador é propor mudanças na lógica de valorização do carro e efetivá-las em meio aos tantos entraves políticos. Segundo ela, o cerne da questão não está na falta de planos para transformar a realidade dos municípios, mas sim na dificuldade que existe hoje em efetivá-los.
Ela também trouxe para a discussão o modal hidroviário que, apesar de ter singular importância para Belém, ainda é pouco explorado em comparação aos outros:
“Nós falamos muito da questão da estrutura viária, mas qual é a nossa estrutura hidroviária? Como é que nós podemos nos conectar aos demais moradores nas ilhas? Como é que nós vemos a cidade a partir do rio? Não sei quantas pessoas aqui já fizeram essa rota de olhar Belém do rio, não olhar o rio de dentro pra fora, mas olhar de fora pra dentro. É uma Belém muito diferente, uma Belém em que a gente não vê congestionamentos, não vemos todas essas mazelas.”
Feitas essas considerações, o painel teve prosseguimento e a próxima rodada foi iniciada. Dessa vez, perguntas específicas foram direcionadas a cada participante.
Ana Valéria, que já estava com a palavra, foi questionada sobre o que está sendo efetivamente traçado como plano pelo poder público para 2022 e 2023 em termos de investimento no setor de transportes e na mobilidade urbana.
Ela começou a sua fala explicando aos presentes as mudanças no orçamento do município e sobre como a gestão tem buscado em primeiro lugar priorizar soluções com menor custo que já tem funcionado nas experiências de outras cidades. Aproveitou novamente o espaço para reforçar o quão desafiador é efetivar determinados planejamentos.
Em seguida, retomou a fala sobre o investimento que está sendo realizado na estrutura hidroviária da cidade e sobre as disparidades notáveis existentes no financiamento de determinados projetos pelo governo federal – que prioriza a região Sul e Sudeste em detrimento da região Norte e Nordeste. Relatou também o investimento realizado no sistema BRS e a pretensão de se ampliar a malha cicloviária da cidade, em 2022.
Depois de Ana Valéria foi a vez de Paulo Ribeiro tecer seus comentários. A ele foi solicitado que apontasse quais passos pontuais poderiam ser seguidos em Belém, rumo à construção de uma lógica mais sustentável na cidade – levando em consideração o contexto amazônico em que ela está inserida.
Paulo resgatou alguns pontos trazidos por Ana Valéria, relacionados ao que tem se discutido na esfera pública em termos de orçamento e prioridades para o enfrentamento do cenário que temos hoje. A equalização da utilização do espaço viário, além da construção e ampliação de estruturas que otimizem as experiências da mobilidade ativa foram medidas necessárias apontadas por ele em sua resposta.
Ao fazer suas colocações, Paulo foi categórico ao falar sobre a importância de se trabalhar em um viés de conscientização junto à população que precisa ser mobilizada em meio ao processo:
“Às vezes a pessoa que não tem automóvel acha um absurdo tirar o espaço do estacionamento para dedicar a um corredor de ônibus ou a um corredor cicloviário. Isso já está arraigado […] essas pessoas precisam ser conscientizadas e isso se faz um pouco através das redes sociais […] dos coletivos, mas é preciso que haja campanhas mais maciças com relação a esse tipo de esclarecimento. Eu acho que isso é fundamental.”
Por fim, Melissa Noguchi encerrou a rodada argumentando sobre a importância de se redistribuir os espaços, uma vez que a cidade não tem mais para onde crescer. Citando uma pesquisa do ITDP, ela trouxe dados apontando que 80% do espaço viário é dedicado atualmente aos veículos particulares no Brasil, enquanto 40% das viagens são feitas a pé e de bicicleta. Sobre essas incoerências, Melissa pontuou:
A gente precisa focar no desestímulo ao uso do veículo. Acho que toda mudança de hábito é difícil e sem dúvida nenhuma é um processo muito difícil para a prefeitura trazer essa mudança, trazer a Belém sendo a capital da bicicleta, que é o que a gente espera ao final do governo ou para os próximos anos […] Vai ser um processo doloroso para todo mundo, mas a gente precisa começar a mudar e a educação, as campanhas de conscientização demonstrando de que forma isso vem beneficiar a cidade como um todo vai ajudar muito para que a gente avance sem muitos problemas.
A seguir, respondeu a pergunta direcionada a ela: de que forma os movimentos sociais podem colaborar com o poder público para que as mudanças necessárias aconteçam?
Para Melissa, é na função de pressionar, apresentar demandas e estabelecer um diálogo direto entre os técnicos e os cidadãos que os movimentos podem contribuir. É, nas palavras dela, dando visibilidade aos invisibilizados tanto internamente, quanto através da mídia que o papel dos movimentos sociais pode ser cumprido.
Após o fechamento da rodada, Lucas Nassar fez suas últimas considerações comentando as contribuições realizadas pelos participantes. Em seguida, fechou as apresentações e abriu o espaço para as perguntas da audiência virtual e presencial que podem ser acompanhadas integralmente através do link do painel de Mobilidade Urbana do Lab.
Por: Ana Luísa Souza. Licenciatura em Letras. Voluntária no Projeto Belém 40º.