“[…] o homem que dá ouvidos ao ritmo das estações sabe identificar sua fisionomia cambiante e as diferenças sonoras de um lugar ao outro”
Le Breton.
Os lugares dizem, falam. As cores pulsam, as fachadas formam desenhos, as calçadas dão o sentido da caminhada. As paredes, enrugadas, ásperas, dão textura aos ambientes. Andar nas ruas, observá-las, é um processo comunicativo; nos comunicamos com essas formas, espaços e pedaços de cidade.
Nos acostumamos com a paisagem. A rotina, o uso repetitivo de um meio de transporte, de um mesmo caminho, nos faz passar pela frente dos mesmos prédios e estabelecimentos, e isso pode até nos anestesiar para algo diferente. Nossos hábitos, por onde circulamos e como circulamos, dizem muito de nossas escolhas; damos ouvidos ao que nos permitimos ver e viver de cidade.
Talvez não nos demos conta do quanto nos comunicamos com os lugares em que vivemos; a atividade reflexiva eu-cidade nem sempre é percebida. Mas o contraste fica mais evidente quando saímos do nosso lugar ou, como em situações em que estamos vivendo hoje, somos convocados à ficar em casa, de quarentena, em isolamento. Estar nesse contexto nos faz perceber a falta que viver e ouvir a cidade faz. Estamos na cidade dentro de nossas casas?
De repente, não sair de casa, não andar nas ruas, não observar as calçadas, nos dá a sensação de não estarmos na cidade. O sentimento de estar dentro, confinado, nos causa uma ausência ambiental. Precisamos dos símbolos e dos lugares que percorremos no dia a dia para nos sentirmos habitantes dela, mas percebemos, também, que a casa, agora, é esse lugar igualmente estranho, ao qual também não dávamos tanto ouvidos; apenas passávamos.
Então, onde estávamos? Em que lugares realmente estávamos imersos? Carros? Escritórios? Salas de reunião? Olhando os celulares? A ausência da vivência rotineira desses lugares nos dá a sensação de estarmos suspensos em algum outro lugar: não é nem lá, na cidade, e nem aqui, na nossa casa.
Entretanto, chegamos ao ponto em que a única saída será ficar em casa. Será o momento em que muitos de nós observaremos essa “fisionomia cambiante” da cidade-casa. Sentiremos a relação de barulho e silêncio, de ausência e presença, intermitentemente. Talvez, nos daremos conta do quanto a cidade está em nós, do quanto ela passa por nós e do quanto passamos por ela, sem lhe darmos ouvidos, mas que, mesmo assim, ela insiste em permanecer junto de nós.
Quando for lá fora, porque iremos, dê atenção aos lugares que você nunca esteve, por quais sempre evitou passar, por quais andava rotineiramente sem dar atenção, em quais sentia prazer em estar. Precisaremos restabelecer e ressignificar a nossa relação com as pessoas e com a cidade. Precisaremos da cidade, apesar de não termos dado tantos ouvidos à ela.
Como será, então, a nossa relação com a cidade? Talvez a resposta esteja no quanto daremos ouvidos à ela.
Por Suzana Magalhães. Professora da Faculdade de Comunicação e mestranda do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, ambos da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Artigo revisado e editado por Toni Moraes – Monomito Editorial para Laboratório da Cidade.