De modo perverso, um patógeno parece transformar em problema tudo aquilo de bom que temos em uma cidade. Nós queremos turistas, festivais, teatros, bares, restaurantes, praças e ruas cheias de gente. Nós queremos sociedades compactas e conectadas, nas quais possamos encontrar amigos e familiares a qualquer momento. Tudo que faz de uma cidade um lugar vibrante e próspero envolve conexões humanas, e é justamente isso que espalha o vírus.
Então a solução seria criar ruas inapropriadas a pedestres? Praças sem árvores, em que ninguém conseguisse passar um minuto? Bem, muitos espaços públicos em nossas cidades já seguem esse exemplo, e estavam tão vazios antes quanto agora, em tempos de pandemia.
Não, não devemos deixar de criar comunidades densas, vibrantes e caminháveis, justamente porque são essas comunidades que concentram mais qualidade de vida, mais conexões sociais, prosperidade e são a nossa melhor chance de combater as mudanças climáticas. Se patógenos amam conexões humanas, isso não quer dizer que devemos abandoná-las.
A lição não é construir cidades com menos conexões, mas entendermos que precisamos promover distanciamento social rapidamente em momentos extremos, como uma tartaruga que rapidamente se põe reclusa em sua casca quando em perigo.
Todas as cidades precisam de um Plano Municipal de Distanciamento Social.
Aprendemos desde já que é altamente irresponsável uma cidade grande e conectada internacionalmente não ter um plano de distanciamento social. É como ter uma máquina perigosa, de alta voltagem, que não possui um botão de desligar. É claro que muitas medidas de distanciamento social precisam de aprovação estadual ou federal, portanto esses níveis também deveriam ter seus planos.
Nos últimos dias aprendemos o que deveria estar incluso nesse plano de distanciamento social, mas é claro que especialistas em pandemias têm muito mais a dizer do que urbanistas a respeito do que funciona e o que não funciona em crises como essas, então tudo o que vamos falar a seguir é apenas uma primeira tentativa de entender o problema.
- Empregados que podem desempenhar suas funções de casa devem ser oficialmente identificados com antecedência, para que possam ser mandados para casa o mais rápido possível.
- Empregos não essenciais, empregos de alto risco e instituições governamentais devem ser categorizados com antecedência. Bares, academias e livrarias podem entrar nessa categoria.
- Governos devem auditar quantas residências têm comida e suprimentos para pelo menos um mês de consumo. Esses mesmos governos devem experimentar soluções que aumentem este número de residências, incluindo subsídios para famílias de baixa renda.
- Mercados, farmácias e outros estabelecimentos essenciais devem ser encorajados a oferecer serviços de entrega também para comunidades de renda menor, subsídios temporários poderiam ser utilizados como forma de garantir que esse serviço chegue também aos mais necessitados, os quais o capitalismo não consegue alcançar.
- Universidades, escolas e creches devem trabalhar com seus alunos, pais e instrutores para desenvolver seus próprios planos de ensino on-line.
- Os governos devem construir ciclovias conectando todos os bairros da cidade, de forma que, se o transporte público se torne inviável do ponto de vista sanitário, todos tenham uma segunda opção barata de transporte.
Muitas dessas sugestões causam apertos orçamentários, particularmente para negócios que precisam fechar durante a quarentena e para o trabalhador que pode ficar sem renda. Portanto, o estado precisa se preparar para um segundo conjunto de medidas:
- Cancelar quaisquer cortes de água, telefone e energia, por dívidas, enquanto durar a crise; cancelar também qualquer expulsão de áreas ocupadas por movimentos sociais (essa deveria ser permanente, concordam?) para que as pessoas não parem nas ruas.
- Se quem aluga não consegue pagar o aluguel, locadores que só possuem renda do aluguel também precisarão de apoio. A Itália, por exemplo, suspendeu o pagamento, aos bancos, de financiamento de unidades habitacionais.
- Governos devem apoiar pequenos negócios locais, mais frágeis, que podem quebrar sem o rendimento de apenas um mês.
- Precisamos, ainda, de uma solução urgente para as habitações de apenas um cômodo, onde o distanciamento social entre familiares se torna impossível.
Vários movimentos populares estão se organizando para enfrentar o problema, destacamos aqui a UNAS, em Heliópolis, o coronacidades.org, mapeando atores e tentando construir uma rede de apoio nacional, e a frente do Núcleo de Mulheres e Território, do Laboratório de Cidades da USP.
É por isso que precisamos falar sobre moradia de qualidade e políticas públicas habitacionais mais responsáveis e que entreguem unidades residenciais dignas.
Não importa o que fizermos, ligar o botão de emergência social causará impactos na economia.
No entanto, se todos se unirem, juntos atravessaremos essa crise com nossas casas, nossos empregos e negócios, nossa economia e nossas cidades se recuperarão. Se, ao contrário, o estado se ausentar, precisaremos de muito mais tempo para nos recuperarmos, algumas pessoas nunca se recuperarão.
Talvez a melhor forma de se sobreviver a uma pandemia seja estar em áreas urbanas densamente povoadas aliadas a um forte distanciamento social e a um serviço de emergência de porta em porta, como está sendo estudado pelo governo italiano.
A mesma facilidade que o Corona teve de se espalhar em nossas cidades ao redor do globo permite também que possamos nos conectar uns aos outros, entender melhor como cada país enfrenta o problema e gerar melhores ideias para combater o vírus que enfrentamos.
Com alguma sorte, e uma boa pitada de esperança, na próxima crise patogênica que enfrentarmos teremos esse botão de desligar pronto.
Adaptado do original de Tristan Cleveland para o strongtowns.org. Por Lucas Nassar Sousa. Arquiteto e Urbanista. Diretor Executivo e Cofundador do Laboratório da Cidade.
Artigo revisado e editado por Toni Moraes – Monomito Editorial para Laboratório da Cidade.