5 impactos de investimentos ultrapassados na mobilidade urbana

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Congestionamento em São Paulo / Chris Faga (Getty)

Resumo:

Oi, pessoal!

A locomoção pela cidade segue sendo um desafio, não é? Muitos congestionamentos, pistas alagadas, muito estresse, muito calor… eita! Nesse artigo, viemos mostrar que esse caos tem origem: os investimentos ultrapassados em mobilidade urbana, que são iniciativas que priorizam espaço para o carro. Os impactos desses investimentos atacam diretamente nossa qualidade de vida dentro das cidades e é por isso que precisam ser evidenciados para que possamos, assim, caminhar em busca de cidades mais sustentáveis e saudáveis.

Boa leitura!

Augusto Júnior

Introdução: 

Não é mais novidade que o Brasil tem vivenciado um forte crescimento urbano. Em 2010, de acordo com o IBGE, cerca de 84% da população brasileira já vivia em centros urbanos e tudo indica que, nos próximos anos, 9 a cada 10 brasileiros estarão vivendo em cidades. Essa urbanização, no entanto, não é acompanhada de um desenvolvimento da  infraestrutura urbana, o que impacta diretamente os mais pobres, que usualmente se vêem  desassistidos de acesso a bens básicos da cidade, tais como saneamento, iluminação pública, transporte coletivo, etc. 

Gráfico: Taxa de Urbanização/ IBGE

Se já não bastasse a desarmonia entre o crescimento urbano e o investimento em infraestruturas, quando finalmente o poder público investe, geralmente o faz de forma equivocada e ultrapassada. As políticas de mobilidade urbana são um ótimo exemplo disso, já que se aposta muito mais em espaço para carros. É o caso das construções das novas vias, do alargamento de pistas, da criação de novos viadutos, túneis, etc, muito daquilo que se fazia nas cidades pós industrialização, quando se pensava que construir pista para carros era algo super moderno. 

Essa ideia de desenvolvimento que dá mais espaço para o automóvel é defasada e o porquê disso está nas evidências: a maioria dos deslocamentos nas cidades hoje é feita através de transportes coletivos, ao invés de transportes individuais. O gráfico abaixo, da Mobilize Brasil, mostra a divisão de modais (%) em algumas das principais capitais brasileiras. Salvador, por exemplo, tem mais da metade das locomoções feitas por transporte coletivo. É possível perceber, também, que deslocamentos não motorizados (bicicleta, a pé, etc) possuem porcentagem maior que dos motorizados: 

Mobilize Brasil / Fontes: Estudo Mobilize 2011, Pesquisa Origem-Destino (Metrô e STM)

Ainda que o transporte público seja o mais usado para locomoção nas cidades, é geralmente o carro que se mantém protagonista. Imagine uma rua que você conhece, aquela mais convencional de sua cidade, e visualize a paisagem dessa rua… quanto de espaço é reservado para o transporte motorizado? E quanto desse espaço é reservado para o transporte público? Não é difícil imaginar uma paisagem tomada por carros. 

405 hwy, Los Angeles.

Assim, quando a rua privilegia espaço para automóveis, as chances de se ter mortes no trânsito são consideravelmente mais altas, por exemplo. Por outro lado, quando se investe em ações para garantir um sistema viário multimodal, buscando maior segurança viária e redução de riscos, a cidade consegue diminuir os desastres no trânsito. É o caso de Fortaleza (CE), em que as mortes causadas por fatalidades no trânsito caíram pela metade em 20 anos, após uma série de ações para melhorar a qualidade da mobilidade urbana na cidade. 

Mesmo com exemplos positivos como o de Fortaleza, ainda há um longo caminho para alcançarmos uma mobilidade urbana mais segura e saudável em muitas cidades brasileiras. A produção das obras que priorizam pistas para automóvel se mantém incessante nas iniciativas públicas de muitos lugares. Essa produção, somada às transformações que as cidades têm vivido – cita-se aqui a globalização, as consequências irreversíveis da degradação ambiental, o crescimento populacional urbano, a imigração de grupos ocupando novos lugares, etc.- converte-se em um grande caos desgovernado, já que as cidades do presente demandam investimentos públicos que consigam lidar melhor com essas complexidades.

Saiba como o carrocentrismo afeta o planeta e sua vida!

Então, por qual motivo as políticas públicas voltadas para a mobilidade urbana mantêm a mesma fórmula de investimentos? Os efeitos negativos disso na qualidade de vida na cidade não são poucos e estão cada vez mais evidentes. É importante entender melhor como esses efeitos impactam nossas vidas, para que possamos construir cidades melhores de se viver.

Abaixo, listamos os principais impactos sentidos na cidade quando os investimentos seguem ultrapassados e priorizando a circulação de automóveis:

  1. Ruas mais alagadas
 Filipe Bispo /LeiaJáImagens

Começa uma chuva forte e, de repente, muitas ruas se tornam intransitáveis, tomadas por alagamentos. Essa é uma realidade que parece ser inevitável nos dias de hoje, mas, isso acontece porque o solo urbano enfrenta uma incapacidade de absorção total de água, que é ocasionado por construções civis que “tapam” áreas que  são permeáveis. Nesse sentido, quando se pensa em obras de mobilidade urbana, a criação de novas vias e asfaltamento, de praxe, ganham o protagonismo das ações públicas. Esse tipo de obra, no entanto, ajuda a deixar o solo urbano cada vez mais impermeável. 

BH Recicla

Ainda que essa impermeabilização seja entendida como necessária, ela é igualmente um problema, uma vez que, a implementação de infraestruturas viárias, muitas vezes, é desacompanhada da criação de sistemas de drenagem de água. Num contexto de atual intensificação das mudanças climáticas, em que alagamentos e enchentes já são mais fortes e recorrentes, é preciso se pensar em infraestruturas urbanas que condicionem a mitigação desses impactos, ao invés de torná-los mais fortes. 

2. Intensificação dos congestionamentos na cidade

Quando se pensa na solução para engarrafamentos no trânsito, o comum é que os investimentos estejam voltados para criação de mais espaços para que os veículos possam circular, pensando muito numa lógica de que se precisa “desafogar” o trânsito com a criação de novas pistas ou alargamentos das existentes. Acontece que, depois de um tempo, o comum é  que esses espaços criados voltem a ser preenchidos por carros. 

Essa expansão da infraestrutura viária, então, passa a induzir mais tráfego de veículos – efeito que chamamos de “demanda induzida”. Portanto, quanto mais carros nas ruas, maior é a quantidade de congestionamentos na cidade e, como resultado, o tempo de viagem dentro de um ônibus, por exemplo, passa a ser mais lento, já que os transportes públicos acabam por ficar em vias  tomadas por automóveis.

3. Mais violência no trânsito

Mais espaço para carros resulta em maior tráfego, mais congestionamentos e, indiscutivelmente, mais violência no trânsito. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o quarto país que mais acumula mortes por acidentes no trânsito. Em termos de saúde pública, as fatalidades no trânsito provocam um custo de R$ 40 bilhões ao ano, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Ainda assim, as iniciativas públicas parecem não repensar a lógica de investimentos, e seguem, no geral,  não direcionando recursos que ajudariam a mitigar essa violência.

Priorizar semáforo para quem caminha, investir em mais faixas de pedestres, construir mais ciclovias e ciclofaixas, alargar esquinas das calçadas para que as travessias sejam menores, entre outras soluções, são tipos de investimentos que ajudariam a controlar a violência no trânsito.

4. Mais poluição, menos qualidade de vida 

Nove em cada dez pessoas respiram ar poluído no mundo, de acordo com a OMS em 2018. Dentro da cidade, o maior emissor de gases poluentes é o transporte. O que sai do escapamento de um ônibus, carro, ou motocicleta, compromete a qualidade do ar e afeta diretamente nossa qualidade de vida. Crianças e bebês, por exemplo, respiram 3 a 5 vezes mais poluentes que adultos, o que gera aumento dos casos de doenças respiratórias. 

Investir em mais espaços para carro não melhora a situação. Ainda que um ônibus possua a capacidade de emitir um volume de gases poluentes maior que de um carro ou motocicleta, ele transporta mais pessoas do que um carro que geralmente locomove poucos passageiros. Dessa forma, investir em transporte público, oferecendo mais espaço, qualidade e acessibilidade para esse modal, é um caminho para que a cidade sinta menos necessidade em usar um automóvel, o que contribui, assim, com a redução de gases prejudiciais para o ambiente e para nossa saúde.

Ainda, os baixos investimentos em calçadas de qualidade, com iluminação pública eficaz, arborização para sombreamento, e acessibilidade para pedestres, transformam as ruas em   espaços inseguros e desconfortáveis. Esse cenário também contribui para aumentar a demanda por transporte individual.

5. Reforço das desigualdades

Esses investimentos ultrapassados na mobilidade urbana são capazes de alimentar e ampliar as desigualdades. Ora, se grande parte desses investimentos é voltada para atender o automóvel, é evidente que os outros modais (e quem depende deles) ficam em segundo plano. Com um transporte público sem prioridade e cada vez mais precarizado, o acesso aos bens da cidade se torna algo difícil com o tempo no trânsito cada vez mais longo, e as tarifas de ônibus cada vez mais altas – entre tantos outros problemas que afetam diretamente quem depende desse serviço. 

A demanda automobilística, geralmente, se aloca em áreas da cidade que são mais dinâmicas economicamente, e a lógica dos investimentos se mantém destinando obras a essas áreas que são mais ricas. Nesse sentido, outras regiões da cidade, como as periferias, que carecem de serviços públicos, se veem mais e mais desassistidas. O acesso à cidade é um direito de todos, mas que parece ser restrito a quem tem mais poder aquisitivo. 

Mas há como fazer diferente?

Portal Prefeitura Fortaleza

Sim e muitas cidades já estão caminhando para novos modos de se pensar uma mobilidade urbana mais eficiente e sustentável – o que privilegia a qualidade de vida humana, levando em conta a situação dos mais frágeis. Para isso, contudo, é preciso inverter a lógica de prioridade e colocar as pessoas em primeiro lugar. Não é sobre ser contra o carro, mas ser contra a priorização que se dá para ele, e entender, de uma vez por todas, que essa priorização gera consequências gravíssimas para nossa vida dentro da cidade.

Como podemos, então, pensar em acessibilidade em um sentido mais amplo, uma que permita que todos possam acessar aos bens da cidade? Como pensar em um futuro de regeneração urbana, em qual esses impactos negativos não sejam mais tão sentidos nas cidades? O meio urbano é capaz de prover qualidade de vida quando os investimentos públicos são certos para isso. Esses e outros pontos serão discutidos em nosso próximo artigo. 

Referências

Há espaço para mais carros? A dura batalha por uma cidade limpa, segura e com o espaço distribuído de forma justa (itdpbrasil.org)

Qual o impacto da poluição do ar na saúde? | WRI Brasil

Transporte é a fonte de emissões que mais cresce. Veja o que dizem os números | WRI Brasil

Mais de 80% em centros urbanos vivem com ar poluído, diz OMS | ONU News

Acidentes de trânsito matam mais que crimes violentos no Brasil – Portal do Trânsito (portaldotransito.com.br)

Impermeabilização do solo: entenda esse problema – BH Recicla

Mortes por acidentes de trânsito em Fortaleza caem pela metade em 20 anos, mostra AMC – Metro – Diário do Nordeste (verdesmares.com.br)

Por Augusto Junior. Arquiteto e Urbanista. Assessor de Projetos no Laboratório da Cidade.

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